Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Plenário
Ação Penal: Apropriação Indébita e Sonegação Previdenciárias - 1
Ação Penal: Apropriação Indébita e Sonegação Previdenciárias - 2
Ação Penal: Apropriação Indébita e Sonegação Previdenciárias - 3
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia - 12
Lei da “Ficha Limpa”: Inelegibilidade e Renúncia - 13
IPI e Creditamento: Insumos Isentos, Não Tributados ou Sujeitos à Alíquota Zero - 4
IPI e Creditamento: Insumos Isentos, Não Tributados ou Sujeitos à Alíquota Zero - 5
Conflito de Atribuições e Falsificação de Documento Público
Dupla Identificação do Eleitor e Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - 1
Dupla Identificação do Eleitor e Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade - 2
Evento Esportivo e Ausência de Licitação - 1
Evento Esportivo e Ausência de Licitação - 2
1ª Turma
Rádio Comunitária Clandestina: Princípio da Insignificância e Excepcionalidade
Crimes contra a Dignidade Sexual: Nulidade e Assistência à Acusação
Pena Restritiva de Direitos e Prescrição
Prisão Cautelar e Excesso de Prazo - 2
Lei 11.719/2008: Interrogatório e “Tempus Regit Actum”
Lei de Imprensa e Causa Interruptiva de Prescrição
2ª Turma
Reincidência: Agravamento de Pena e Recepção pela CF/88
Remissão e Necessidade de Oitiva do Ministério Público
Crime Militar e Princípio da Insignificância
Prescrição e Prazo entre a Citação e o Interrogatório
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
CODESP e Imunidade (RE 253472/SP)
Inovações Legislativas
O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação penal promovida pelo Ministério Público Federal para condenar Deputado Federal pela prática dos crimes tipificados no art. 168-A, § 1º, I e art. 337-A, III, c/c o art. 71, caput e art. 69, todos do CP, à pena de 7 anos de reclusão e ao pagamento de 60 dias-multa, calculados na base de meio salário-mínimo vigente em agosto de 2002 (término da continuidade delitiva), atualizados monetariamente. No caso, a partir de ação fiscal realizada em empresa de propriedade do acusado, ele e sócia foram denunciados pela suposta ausência de repasse, ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, de valores arrecadados a título de contribuições incidentes sobre a remuneração de empregados, relacionados em folha de pagamento mensal e rescisões de contrato de trabalho. A inicial acusatória também descrevera a omissão de fatos geradores de contribuições previdenciárias na Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social - GFIP. Preliminarmente, afastou-se a ocorrência de extinção da punibilidade pela prescrição da pena em abstrato. Ao salientar que esta operaria em 12 anos (CP, art. 109, III) e que a pena máxima cominada aos crimes imputados aos réus seria de 5 anos de reclusão, para ambos os tipos penais, afirmou-se que os fatos delituosos teriam sido perpetrados no período de janeiro de 1995 a agosto de 2002, sendo o crédito tributário definitivamente constituído em abril de 2003. Em seguida, absolveu-se a co-ré, ao fundamento de que não haveria como lhe atribuir a responsabilidade penal pelos fatos imputados na denúncia. Consignou-se não ter ficado demonstrado, durante a instrução criminal, que ela detivesse poder de mando ou que houvesse exercido qualquer atividade na empresa, sendo esta gerida pelo parlamentar, o qual exercia todos os atos de administração necessários ao seu funcionamento.
AP 516/DF, rel. Min. Ayres Britto, 27.9.2010. (AP-516)
Logo após, reconheceu-se a materialidade delitiva das condutas atribuídas ao parlamentar, tendo em conta a existência de farta documentação, detalhada nas notificações fiscais de lançamento de débito. Ressaltou-se, inclusive, que a empresa sequer impugnara o débito fiscal na esfera administrativa. Rejeitou-se a alegação de que os crimes exigiriam a comprovação do animus rem sibi habendi. Enfatizou-se que a orientação da Corte encontra-se consolidada no sentido de que, para a caracterização dos aludidos tipos penais, é suficiente a demonstração do dolo genérico, sendo dispensável um especial fim de agir. Observou-se, também, que o “recibo de pedido de parcelamento” da Lei 11.941/2009, juntado pela defesa, não se prestaria para a pretendida suspensão da pretensão punitiva estatal, porquanto o pagamento da primeira parcela fora efetuado mais de 6 meses após o seu vencimento. Relativamente à autoria, mencionou-se que a situação contratual da empresa permanecera inalterada desde sua constituição, embora esta se encontrasse atualmente desativada, sem baixa registrada na junta comercial. Destacou-se que a mera participação no quadro societário como sócio-gerente não poderia significar a automática responsabilização penal. Nada obstante, repeliu-se a assertiva de que, apesar de o parlamentar figurar no contrato social como único responsável pela gerência da sociedade, a efetiva administração teria sido delegada a seu filho. Afirmou-se que tal outorga de poderes de representação não conferira exclusividade ao outorgado, de modo que o acusado teria preservado seus poderes. Ademais, asseverou-se que inexistira alteração contratual válida que o excluísse do quadro societário da empresa. Enfatizou-se, no ponto, inclusive, que o acusado ainda responde a uma ação penal por suposta falsidade de modificação contratual no registro de junta comercial. Assinalou-se que a prova testemunhal carreada não infirmaria a condição do parlamentar de responsável pela administração de sua empresa, haja vista que a defesa somente arrolara pessoas que não tinham contato direto ou vínculo com a sociedade empresária. Refutou-se, também, o argumento de não-ocorrência do crime de sonegação previdenciária (CP, art. 337-A), por inexigibilidade de conduta diversa, em função das dificuldades financeiras da empresa. Verificou-se que a supressão ou redução da contribuição social e de quaisquer acessórios são implementados por meio de condutas fraudulentas instrumentais à evasão, incompatíveis com a boa-fé necessária para tal reconhecimento. Além disso, o conjunto probatório não revelaria a precária condição financeira da empresa.
AP 516/DF, rel. Min. Ayres Britto, 27.9.2010. (AP-516)
No tocante à dosimetria da pena, prevaleceu o voto do Min. Joaquim Barbosa, revisor, que estabeleceu a pena-base em 3 anos de reclusão e 30 dias-multa, para cada delito, e, ante a ausência de circunstâncias atenuantes e agravantes, aplicou, para ambas as penas provisórias, o aumento de 1/6, em razão da continuidade delitiva, tornando-as definitivas em 3 anos e 6 meses de reclusão mais 30 dias-multa, as quais, somadas (CP, art. 69), totalizaram 7 anos de reclusão e 60 dias-multa. Em conseqüência, fixou o regime semi-aberto para o cumprimento inicial da pena. Entendeu incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, em virtude do montante da pena aplicada e, pela mesma razão, o sursis. Deixou, contudo, de aplicar o disposto no art. 92, I, b, do CP, por reputar que não se trataria de efeito automático, e que, no caso, a reprimenda imposta revelar-se-ia suficiente. Por fim, determinou que, após o trânsito em julgado, seja dada a ciência à Justiça Eleitoral e inscrito o nome do réu no rol dos culpados. Vencidos os Ministros Ayres Britto, relator, Cármen Lúcia e Marco Aurélio relativamente à fixação da pena e ao seu regime inicial de cumprimento, que assentavam a pena-base em 3 anos de reclusão e 126 dias-multa, e 3 anos e 6 meses de reclusão e 180 dias-multa, respectivamente, para os crimes previstos nos artigos 168-A, § 1º, I e 337-A, III, ambos do CP. Ademais, em virtude da continuidade delitiva, impunham o aumento de metade, para o delito de apropriação indébita previdenciária, e de 1/3, para o de sonegação previdenciária, a perfazer 9 anos e 2 meses de reclusão e 429 dias-multa, pena esta a ser cumprida em regime inicial fechado.
AP 516/DF, rel. Min. Ayres Britto, 27.9.2010. (AP-516)
Em conclusão, o Tribunal declarou extinto, sem julgamento do mérito, processo no qual pleiteado o deferimento do registro de candidatura do primeiro recorrente ao cargo político de Governador do Distrito Federal. Tratava-se, na espécie, de recursos extraordinários interpostos, com base no art. 102, III, a, da CF, contra acórdão do Tribunal Superior Eleitoral - TSE que, ao enfatizar a aplicabilidade imediata das alterações introduzidas pela LC 135/2010, concluíra pela inelegibilidade do candidato a cargo de Governador, nos termos da alínea k do inciso I do art. 1º da LC 64/90, acrescentado pela aludida LC 135/2010 [“Art. 1º São inelegíveis: I – para qualquer cargo: ... k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subseqüentes ao término da legislatura.”] — v. Informativo 601.
RE 630147 QO/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (RE-630147)
O Min. Ayres Britto, relator, tendo em conta a renúncia do candidato à pretensão de obter o registro de sua candidatura, submeteu ao Colegiado, em questão de ordem, o exame de petição formulada pelos recorrentes, em que requeriam a desistência dos recursos ou, alternativamente, a declaração da perda de seu objeto. Inicialmente, manteve-se o reconhecimento da repercussão geral da questão constitucional concernente ao art. 1º, I, k, da LC 64/90, com a redação dada pela LC 135/2010. Em passo seguinte, rejeitou-se o pedido de desistência dos recursos, haja vista que já iniciado o julgamento, e, embora não declarado o seu resultado, proferidos os votos de todos os Ministros da Corte. Entretanto, ao enfatizar que o escopo dos recorrentes seria o registro da candidatura, aduziu-se que, ante a mencionada desistência, inexistiria objeto a ser analisado pela Justiça Eleitoral e, conseqüentemente, não haveria lugar para a prolação de sentença de mérito. Dessa forma, asseverou-se que, na situação em apreço, ter-se-ia uma hipótese de extinção anômala do processo principal por perda superveniente de objeto e de interesse, sem que resolvida a própria controvérsia suscitada no recurso em questão. Vencidos, no ponto, os Ministros Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa que assentavam a perda de objeto dos recursos extraordinários. O relator assinalava, ainda, o conseqüente trânsito em julgado do acórdão recorrido.
RE 630147 QO/DF, rel. orig. Min. Ayres Britto, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (RE-630147)
Em conclusão de julgamento, o Tribunal desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão do TRF da 4ª Região que negara a contribuinte do IPI o direito de creditar-se do valor do tributo incidente sobre insumos adquiridos sob regime de isenção, não tributados ou sujeitos à alíquota zero. Sustentava-se ofensa ao princípio da não-cumulatividade (CF, art. 153, § 3º, II) — v. Informativos 554 e 591. Inicialmente, consignou-se que o STF, ao apreciar os recursos extraordinários 353657/PR (DJE de 6.3.2008) e 370682/SC (DJE de 19.12.2007), referentes à aquisição de insumos não tributados ou sujeitos à alíquota zero, aprovara o entendimento de que o direito ao crédito pressupõe recolhimento anterior do tributo, cobrança implementada pelo Fisco. Enfatizou-se que tal raciocínio seria próprio tanto no caso de insumo sujeito à alíquota zero ou não tributado quanto no de insumo isento, tema não examinado nos precedentes citados. Contudo, julgou-se inexistir dado específico a conduzir ao tratamento diferenciado. No tocante à definição técnica-constitucional do princípio da não-cumulatividade, afirmou-se que esse princípio seria observado compensando-se o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores, ante o que não se poderia cogitar de direito a crédito quando o insumo entra na indústria considerada a alíquota zero.
RE 566819/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (RE-566819)
Relativamente à questão alusiva ao valor do crédito e do imposto final, asseverou-se que a pretensão da recorrente colocaria em plano secundário a sistemática pertinente ao IPI, no que voltada a evitar a cumulatividade, o tributo seqüencial. Ressaltando a seletividade do IPI, expôs-se que, uma vez adquirido o insumo mediante incidência do tributo com certa alíquota, o creditamento far-se-ia diante do que realmente recolhido, gerando a saída final do produto novo cálculo e, então, como já ocorrido o creditamento quanto ao que recolhido na aquisição do insumo, a incidência da alíquota dar-se-ia sobre o preço (valor total). Mencionou-se que não se comunicariam as operações a serem realizadas, deixando-se de individualizar insumos e produtos, pois, se assim não fosse, instalar-se-ia um pandemônio escritural. Assinalou-se que o sistema consagrador do princípio da não-cumulatividade, presente quer o IPI quer o ICMS, implica crédito e débito em conta única e que o argumento desenvolvido a respeito do que se denomina crédito do IPI presumido, considerada a entrada de insumo, resultaria em subversão do sistema nacional de cobrança do tributo, partindo-se para a adoção do critério referente ao valor agregado. Dessa forma, reputou-se que isso potencializaria a seletividade, a qual geraria vantagem, à margem de previsão, para o contribuinte, que passaria a contar com um crédito inicial, presente a entrada do insumo tributado, e, posteriormente, haveria a apuração do que agregado para se estipular valor que não seria o do produto final. Considerou-se que esse raciocínio revelaria desprezo pelo sistema pátrio de cobrança do tributo, assim como discreparia das balizas próprias à preservação dos princípios da não-cumulatividade, que direcionam, no concernente ao produto final, à aplicação da alíquota levando-se em conta o valor respectivo, porquanto já escriturado o crédito decorrente da satisfação do tributo com relação ao insumo. Concluiu-se que, em última análise, ante o critério seletivo, com o tributo final menor, passar-se-ia a ter jus a uma segunda diferença relativa ao que recolhido a maior anteriormente e já objeto do creditamento. Por fim, deu-se por prejudicada a discussão referente à prescrição, dado que esta somente teria utilidade se o recurso viesse a ser provido, o mesmo ocorrendo com a atualização monetária. Vencido o Min. Cezar Peluso, Presidente, que provia o recurso.
RE 566819/RS, rel. Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (RE-566819)
O Tribunal, ao resolver conflito de atribuições entre o Ministério Público Federal e Ministério Público estadual, reconheceu a atribuição do primeiro para apurar possível prática do crime de falsificação de papéis públicos (CP, art. 293), consistente na apresentação de guias de recolhimento (DARF) supostamente irregulares à Secretaria da Receita Federal - SRF. Reputou-se que, ao versar os fatos sobre imputação contrária ao bom serviço federal, incumbiria ao parquet federal atuar. Salientou-se pouco importar a existência, ou não, de dano patrimonial. Consignou-se, ademais, que o recolhimento do tributo devido — posteriormente à apresentação das guias de recolhimento irregulares — não obstaria a continuidade das investigações, haja vista a necessidade de se saber qual o delito perpetrado, ou seja, se teria havido crime de falso, crime tributário em sentido estrito ou se a falsidade teria consistido em meio para a consumação do crime contra a ordem tributária. Vencido o Min. Dias Toffoli, que concedia a ordem de ofício para encerrar o procedimento investigatório, tendo em conta a quitação do tributo, o qual extinguiria a punibilidade.
PET 4680/MG, rel. Min. Marco Aurélio, 29.9.2010. (PET-4680)
Por vislumbrar aparente ofensa aos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, e ressaltando a iminência das eleições marcadas para o dia 3.10.2010, o Tribunal, por maioria, concedeu medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, para, mediante interpretação conforme conferida ao art. 91-A da Lei 9.504/97, na redação dada pela Lei 12.034/2009 — e ao art. 47, § 1º, da Resolução TSE 23.218/2010 —, reconhecer que somente a ausência de documento oficial de identidade com fotografia trará obstáculo ao exercício do direito de voto. Os dispositivos impugnados determinam que, no momento da votação, sejam apresentados o título de eleitor e um documento de identificação com foto. Após breve retrospecto da legislação brasileira sobre essa dupla exigência, consignou-se que ela já teria sido inserida no ordenamento pátrio (Lei 9.100/95, art. 75), sendo posteriormente revogada, ante a dificuldade excessiva ao eleitorado. Registrou-se a problemática no sistema eleitoral relativamente à identificação dos eleitores. Salientou-se, nesse sentido, a inexistência de unificação entre as identidades civil e eleitoral ou de um título eleitoral com foto. Citou-se, inclusive, manifestação do TSE — em processo administrativo que ensejara a expedição da aludida Resolução 23.218/2010 — quanto à possibilidade de se admitir o exercício do voto pelo eleitor que apenas apresentasse o documento comprobatório de identidade, em razão do extravio, perda ou inutilização de seu título após o término do prazo para a solicitação de 2ª via. Aquela Corte assentara a necessidade do incremento dos esforços de ampla divulgação da novidade legal, bem como o seu imediato aparelhamento para que os títulos eleitorais extraviados ou inutilizados fossem reimpressos.
ADI 4467 MC/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 29 e 30.9.2010. (ADI-4467)
Afirmou-se, ainda, que a apresentação do título de eleitor, nos moldes estabelecidos hoje, não ofereceria garantia de lisura nesse momento crucial de revelação da vontade do eleitorado e que as experiências das últimas eleições demonstrariam maior confiabilidade na identificação aferida com base em documentos oficiais de identidade com foto. Aduziu-se que os preceitos adversados, embora objetivassem maior segurança no reconhecimento dos eleitores, estabeleceriam uma exigência desmedida, a qual afastaria a finalidade que a norma pretendera alcançar. Asseverou-se não ser cabível tomar-se o art. 91-A da lei em apreço como impedimento ao voto do eleitor que, ainda que se encontrasse apto a prestar identificação mediante apresentação de um documento oficial com fotografia, não estivesse portando, naquele momento, seu título de eleitor. Concluiu-se que se deveria apresentar, no momento da votação, tanto o título de eleitor como documento oficial de identificação com fotografia. Contudo, enfatizou-se que apenas a frustração na exibição deste último é que teria o condão de impedir o exercício do voto. O Min. Dias Toffoli, ao ressaltar que não concedia a cautelar com fundamento nos princípios referidos, porquanto eles seriam técnicas de solução, reputou que o dispositivo restringiria o exercício da cidadania, em afronta ao art. 1º, II, c/c o art. 14, caput, ambos da CF. Vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, Presidente, que indeferiam a concessão da medida cautelar por considerar que o porte obrigatório do título de eleitor não esvaziaria ou restringiria o direito fundamental ao voto de forma desarrazoada ou desproporcional, tendo o legislador atuado dentro de sua margem de ação, sem ofensa ao texto constitucional.
ADI 4467 MC/DF, rel. Min. Ellen Gracie, 29 e 30.9.2010. (ADI-4467)
O Tribunal, por maioria, recebeu denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor de Deputado Federal, e outros co-denunciados, pela suposta prática do delito de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Relata a denúncia que o parlamentar, então prefeito, e seu secretário de comunicação social teriam contratado os serviços de determinada empresa de publicidade para realizar, em 2003, evento esportivo na municipalidade, sem o devido procedimento licitatório. A conduta dos agentes públicos e a do particular beneficiado com a contratação fora enquadrada, respectivamente, no art. 89 e no seu parágrafo único, da Lei 8.666/93 (“Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: ... Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.”). De início, salientou-se que o parquet sustentava a ocorrência de burla ao preceito contido no art. 25, III, do mesmo diploma legal (“Art. 25. É inexigível a licitação quanto houver inviabilidade de competição, em especial: ... III - para contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a exigibilidade para serviços de publicidade e divulgação.”).
Inq 3016/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 30.9.2010. (Inq-3016)
Em seguida, reputou-se que, nesta etapa processual, haveria substrato mínimo a sustentar a deflagração da ação penal, e que a defesa não conseguira infirmar a plausibilidade da peça acusatória. Aduziu-se que a circunstância de o contrato firmado pelos agentes públicos contar com o aval e a aprovação da Procuradoria do Município não elidiria a responsabilidade dos acusados, haja vista que o parecer não conteria carga opinativa e não vincularia o administrador público. Ademais, afastou-se a assertiva de que os preços oferecidos pela empresa do co-réu seriam condizentes com os cobrados no mercado, dado que isso demandaria análise da matéria de fundo. De igual modo, entendeu-se inviável o exame da alegação de inexistência de dolo dos investigados. Consignou-se, no ponto, que a dilação probatória reconstruiria, historicamente, os fatos e que ela também permitiria a apreciação relativa à exigência, ou não, de finalidade específica para a configuração do tipo penal. Destacou-se, ainda, que a peça acusatória não poderia ser rejeitada em face da suposta falta de prejuízo, porquanto o crime em apreço caracterizar-se-ia pelo simples “dispensar” ou “inexigir” o certame, não podendo o resultado naturalístico ser considerado condição imprescindível à consumação do delito. Refutou-se o argumento de atipicidade da conduta do empresário, haja vista que demonstrado pela acusação que, embora a marca do evento tivesse sido registrada perante o INPI, isso não implicaria a conclusão de ser o prestador de serviço um especialista de natureza singular. Observou-se que, não obstante os eventos de 1996 a 2000 terem ocorrido sem licitação, o Tribunal de Contas já se manifestara, em 2002, sobre a necessidade do certame no evento de 1999, o que, ao que parece, sinalizaria terem os investigados arriscado realizar algo irregular. Por derradeiro, assinalou-se que a manifestação do Ministério Público sobre o arquivamento do caso na esfera cível, rejeitando as ponderações da Corte de Contas estadual, não impediria a investigação e deflagração da ação penal, ante a independência das instâncias. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente, que, por falta de justa causa, rejeitavam a denúncia, quanto ao empresário beneficiado, ao não vislumbrarem a existência de descrição mínima de sua suposta participação no delito.
Inq 3016/SP, rel. Min. Ellen Gracie, 30.9.2010. (Inq-3016)
1ª parte
2ª parte
3ª parte
Ante o empate na votação, a Turma deferiu habeas corpus para, em face da atipicidade da conduta, cassar o acórdão proferido pelo STJ e restabelecer a sentença absolutória que aplicava o princípio da insignificância. Na espécie, os pacientes foram denunciados, por supostamente operarem rádio comunitária sem autorização legal, como incursos nas sanções do art. 183 da Lei 9.472/1997 [“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação: Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime”]. Registrou-se que, nos termos da norma regulamentadora (Lei 9.612/98), o serviço de radiodifusão comunitária utilizado pela emissora seria de baixa potência — 25 watts e altura do sistema irradiante não superior a 30 metros — não tendo, desse modo, capacidade de causar interferência relevante nos demais meios de comunicação. Ressaltou-se a excepcionalidade do caso concreto e aduziu-se que a rádio era operada em pequena cidade no interior gaúcho, com cerca de dois mil habitantes, distante de outras emissoras de rádio e televisão e de aeroportos, o que demonstraria ser remota a possibilidade de causar algum prejuízo para outros meios de comunicação. Acresceu-se que, em comunidades localizadas no interior de tão vasto país, nas quais o acesso à informação não seria amplo como nos grandes centros, as rádios comunitárias surgiriam como importante meio de divulgação de notícias de interesse local, de modo que não se vislumbraria, na situação em apreço, reprovabilidade social da ação dos pacientes. Ademais, observou-se que fora pleiteada, ao Ministério das Comunicações, a autorização para execução do serviço de radiodifusão em favor da mencionada rádio. Concluiu-se que, em virtude da irrelevância da conduta praticada pelos pacientes e da ausência de resultado lesivo, a matéria não deveria ser resolvida na esfera penal e sim nas instâncias administrativas. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia e Marco Aurélio que denegavam a ordem, tendo em conta a falta do licenciamento exigido para o serviço de radiodifusão comunitária e o teor de laudo pericial que teria concluído pela possibilidade de o funcionamento da referida rádio interferir em outras freqüências. O Min. Marco Aurélio salientava que o bem protegido seria da maior valia e a Min. Cármen Lúcia lembrava que algumas emissoras poderiam prestar desserviços, por exemplo, quando utilizadas por facções criminosas.
HC 104530/RS, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.2010. (HC-104530)
A Turma, em votação majoritária, indeferiu habeas corpus no qual o réu, absolvido em 1ª instância das acusações de estupro e atentado violento ao pudor, por ausência de prova da materialidade delitiva, fora condenado pelo tribunal local, em virtude do provimento de apelo interposto por assistente de acusação. A defesa alegava nulidade no acórdão que julgara improcedente revisão criminal, haja vista a participação, na qualidade de relator designado para redigir o acórdão, de desembargador que tomara parte no julgamento da apelação. Inicialmente, rejeitou-se a tese de ilegitimidade do assistente de acusação para recorrer de sentença absolutória quando o Ministério Público se queda inerte, nos termos do art. 598 do CPP (“Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda que não se tenha habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não terá, porém, efeito suspensivo”). Vencido, no ponto, o Min. Marco Aurélio, que entendia inconcebível a atuação da assistência se o Ministério Público não recorresse da absolvição do paciente. Repeliu-se, de igual modo, a alegada nulidade do julgamento da revisão criminal. Aduziu-se que a vedação constante do art. 625 do CPP (“O requerimento será distribuído a um relator e a um revisor, devendo funcionar como relator um desembargador que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo”) não impediria que, vencidos o relator e o revisor, fosse designado, para lavrar o acórdão denegatório da revisão criminal, o desembargador que funcionara como revisor da apelação, por ter sido o autor do primeiro voto vencedor. Afirmou-se que foram designados como relator e revisor da ação revisional desembargadores distintos do redator do acórdão. Precedente citado: HC 102085/RS (DJe de 27.8.2010).
HC 100243/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.2010. (HC-100243)
A Turma indeferiu habeas corpus em que alegada a prescrição da pena de suspensão de habilitação para dirigir — imposta cumulativamente com pena privativa de liberdade — a condenado pela prática do crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (CTB, art. 302). Afirmou-se que a prescrição da pretensão punitiva, após o trânsito em julgado da condenação, regular-se-ia pela pena aplicada (CP, art. 109) e que não se teria operado o lapso prescricional. Reputou-se, ademais, que à pena restritiva de direitos seria aplicável o mesmo prazo previsto para a pena privativa de liberdade a ela cumulada, nos termos do art. 109, parágrafo único, do referido código. Por fim, enfatizou-se que penas mais leves prescrevem com as mais graves (CP, art. 118), de modo que o cálculo da prescrição de ambas as sanções seria feito com base na privativa de liberdade.
HC 104234/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.2010. (HC-104234)
Em conclusão, nos termos do voto médio proferido pelo Min. Dias Toffoli, a Turma julgou prejudicadas duas impetrações, mas concedeu as ordens, de ofício, para tornar definitiva a liberdade dos pacientes. Tratava-se de habeas corpus em que se alegava, em suma, constrangimento ilegal imposto aos pacientes em virtude da ausência/insuficiência de fundamento do decreto prisional e de excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal — v. Informativo 600. O redator para o acórdão mencionou que realizara diligência e, em consulta ao sítio do tribunal de justiça estadual, verificara a superveniência de sentença condenatória, o que tornaria superada a questão quanto ao excesso de prazo, e o fato de estar a ação penal em fase de apelação. Consignou que o referido édito condenatório mantivera a segregação cautelar de vários co-réus, mas se silenciara a respeito da necessidade de prisão dos pacientes destes writs. Ressaltou a inexistência, no momento, de título prisional idôneo embasador das constrições cautelares, que não poderiam subsistir. Vencidos os Ministros Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski que denegavam a ordem, por considerarem idôneo o fundamento do decreto das prisões preventivas e inexistente o excesso de prazo, tendo em conta a complexidade do feito e a circunstância de o Estado não ter permanecido inerte. Ademais, ressaltavam o fato de não haver notícia no aludido sítio eletrônico de que o magistrado, ao condenar os pacientes, deixara de se manifestar acerca de suas prisões. Vencido, em parte, o Min. Marco Aurélio, relator, que, por reputar configurado o excesso de prazo, deferia o HC 97013/SE, para tornar definitivo o relaxamento da prisão implementado em medida acauteladora, e estendia a ordem ao paciente do outro habeas.
HC 97013/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/o acórdão Min. Dias Toffoli, 28.9.2010. (HC-97013)
HC 98402/SE, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/o acórdão Min. Dias Toffoli, 28.9.2010. (HC-98402)
A Turma indeferiu habeas corpus em que se pleiteava renovação de interrogatório para observância da novel redação do art. 400 do CPP, conferida pela Lei 11.719/2008 [“Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado”]. Observou-se que o interrogatório fora realizado em data anterior à vigência daquela lei, o que, pelo princípio tempus regit actum, excluiria a obrigação de se renovar ato validamente praticado sob a égide de lei anterior, para que o paciente fosse interrogado ao final da audiência de instrução e julgamento. Por fim, reafirmou-se o entendimento do Supremo segundo o qual não se declara a nulidade de ato processual se a alegação não vier acompanhada de prova do efetivo prejuízo sofrido pelo paciente.
HC 104555/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.2010. (HC-104555)
Aplicam-se aos crimes regulados pela Lei de Imprensa as regras para a contagem de prazo prescricional dispostas no Código Penal. Ao reafirmar esse entendimento, a Turma denegou habeas corpus em que condenado por crimes da Lei de Imprensa alegava a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva, haja vista o transcurso do lapso de 2 anos previsto no art. 41 da Lei 5.250/67 (“A prescrição da ação penal, nos crimes definidos nesta Lei, ocorrerá 2 anos após a data da publicação ou transmissão incriminada, e a condenação, no dôbro do prazo em que fôr fixada”). Registrou-se que a prescrição da pretensão punitiva ocorre antes do trânsito em julgado da condenação e regula-se pela pena máxima cominada ao crime (CP, art. 109). Ademais, asseverou-se que em nenhuma das ações penais teria transcorrido o prazo de 2 anos, previsto no referido art. 41, entre as causas legais de interrupção do prazo prescricional do CP, não havendo, portanto, falar-se em prescrição da pretensão punitiva.
HC 103855/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 28.9.2010. (HC-103855)
A Turma afetou ao Plenário o julgamento de uma série de habeas corpus em que se discute eventual ofensa ao art. 5º, XLVI, da CF, decorrente da suposta existência de bis in idem em razão do agravamento de pena pela reincidência. Consignou-se que o tema encontra-se em discussão no RE 591563/RS, de relatoria do Min. Cezar Peluso, cuja repercussão geral fora reconhecida.
HC 94361/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.9.2010. (HC-94361)
HC 93815/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.9.2010. (HC-93815)
HC 94711/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.9.2010. (HC-94711)
HC 93411/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.9.2010. (HC-93411)
É imprescindível a manifestação do Ministério Público para a concessão, pelo magistrado, de remissão extintiva em procedimento judicial de apuração de ato infracional. Com base nessa orientação, a Turma indeferiu habeas corpus no qual se sustentava a possibilidade de outorga desse benefício ao paciente sem a prévia oitiva do parquet. Asseverou-se que tal ausência implicaria nulidade do ato, conforme preceituam os artigos 186, § 1º, e 204, do ECA (“Art. 186. Comparecendo o adolescente, seus pais ou responsável, a autoridade judiciária procederá à oitiva dos mesmos, podendo solicitar opinião de profissional qualificado. § 1º Se a autoridade judiciária entender adequada a remissão, ouvirá o representante do Ministério Público, proferindo decisão. ... Art. 204. A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulidade do feito, que será declarada de ofício pelo juiz ou a requerimento de qualquer interessado”).
HC 96659/MG, rel. Min. Gilmar Mendes, 28.9.2010. (HC-96659)
A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se discute a incidência do princípio da insignificância em crime de furto tentado, praticado por militar, em detrimento de instituição castrense. No caso, o paciente fora acusado de tentar sair de arsenal da Marinha levando consigo 2 válvulas e um tarugo, ambos de metal, avaliados em R$ 1.410,00. Ocorre que o STM, ao prover recurso do Ministério Público, reformara, em parte, sentença absolutória que reputara o fato infração disciplinar. Em conseqüência, condenara o paciente apenas pela tentativa de furto do tarugo. O Min. Joaquim Barbosa, relator, concedeu a ordem. Considerou que a res furtiva, um tarugo “velho e inútil”, encontrar-se-ia armazenado em paiol durante cerca de 4 anos, em desuso, até que subtraído. Além disso, seu valor econômico — calculado em R$ 503,00 — seria insignificante. Afirmou que o tratamento interna corporis dado pela instituição militar à conduta seria suficiente para sua correção e que a esfera criminal deveria cuidar apenas dos atos mais gravosos perpetrados contra os bens jurídicos sujeitos à tutela penal, daí a aplicação do referido postulado. Após, pediu vista a Min. Ellen Gracie.
HC 101709/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.9.2010. (HC-101709)
A Turma concedeu, em parte, habeas corpus para declarar extinta a punibilidade de um dos réus, pela ocorrência da prescrição, o qual condenado a 2 anos de reclusão, por furto qualificado (CP, art. 155 § 4º, IV). No caso, tendo em vista que esse réu possuía menos de 21 anos à época do fato e que o prazo prescricional deveria ser reduzido pela metade, assentou-se o transcurso de mais de 2 anos da condenação sem o início do cumprimento da pena. Entretanto, rejeitou-se o outro fundamento da impetração concernente à nulidade dos interrogatórios dos pacientes e de todos os atos processuais que se seguiram, em decorrência do exíguo prazo de 4 dias entre a citação deles e o interrogatório. Entendeu-se que o referido prazo seria suficiente para que os acusados se preparassem para o interrogatório, pois, à época, ainda não estava em vigor a Lei 11.719/2008, e o réu era citado apenas para ser interrogado, mas não para apresentar resposta por escrito. Por fim, entendeu-se não ser aplicável a mesma solução dada no HC 84373/BA (DJe de 26.6.2009), haja vista a diversidade de situação, qual seja, a ocorrência, nesse precedente, do interrogatório apenas um dia após a citação do réu.
HC 103682/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 28.9.2010. (HC-103682)
Sessões | Ordinárias | Extraordinárias | Julgamentos |
Pleno | 29.9.2010 | 27 e 30.9.2010 | 9 |
1ª Turma | 28.9.2010 | — | 33 |
2ª Turma | 28.9.2010 | — | 204 |
DJE de 1º de outubro de 2010
REPERCUSSÃO GERAL EM AI N. 765.567-SP
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Direito do Consumidor. Responsabilidade do Fornecedor. Indenização por danos morais e materiais. Prestação de serviço. Ineficiência. Matéria infraconstitucional. Repercussão geral rejeitada.
REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 603.136-RJ
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Recurso extraordinário. Tributário. ISS. Franquia. Fato gerador. Lei Complementar 116/2003. Repercussão geral reconhecida.
Decisões Publicadas: 2
1º de outubro de 2010
ADI N. 3.944-DF
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 7º A 10 DO DECRETO 5.820, DE 29 DE JUNHO DE 2006, EXPEDIDO PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. ADOÇÃO DO SISTEMA BRASILEIRO DE TELEVISÃO DIGITAL (SBTVD). CONSIGNAÇÃO DE MAIS UM CANAL DE RADIOFREQÜÊNCIA ÀS CONCESSIONÁRIAS E “AUTORIZADAS” DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS, SEM APRECIAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. DIFERENÇA ENTRE AUTORIZAÇÃO DE USO DO ESPECTRO DE RADIOFREQÜÊNCIAS E CONCESSÃO DO SERVIÇO PÚBLICO DE RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO § 5º DO ART. 220 E AO ART. 223, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. As normas impugnadas por esta ação direta de inconstitucionalidade são apenas as veiculadas pelos arts. 7º a 10 do Decreto federal 5.820/2006. Embora sustentadas na petição inicial, não se conhece de teses jurídicas que não tenham pertinência com os dispositivos impugnados, a saber: a) a de que um “memorando de entendimento”, assinado pelo Ministro das Relações Exteriores do Brasil e pelo Chanceler do Japão, não passara pelo controle do Congresso Nacional; b) a de que deixou de ser publicado o relatório do Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital, referido pelo inciso VIII do art. 3º do Decreto 4.901/2003, caracterizando omissão imprestabilizadora da escolha feita pelo Poder Executivo quanto ao modelo japonês de televisão digital (ISDB).
2. O Decreto 5.820/2006, pelo menos quanto aos dispositivos objeto da ação direta, ostenta um coeficiente de generalidade, abstração e impessoalidade que afasta a alegação de se cuidar de ato de efeito concreto. Até porque “a determinabilidade dos destinatários da norma não se confunde com a sua individualização, que, esta sim, poderia convertê-lo em ato de efeitos concretos, embora plúrimos” (ADI 2.137-MC, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence). Precedentes.
3. Consignação de canal de radiofreqüência (ou autorização de uso de espectro de radiofrequência) não se confunde com concessão ou autorização do serviço público de radiodifusão de sons e imagens. A primeira (consignação), regulada pela Lei 9.472/97, é acessória da segunda (concessão ou permissão).
4. A norma inscrita no art. 7º do Decreto 5.820/2006 (e também nos arts. 8º a 10) cuida de autorização de uso do espectro de radiofreqüências, e não de outorga de concessão do serviço público de radiodifusão de sons e imagens. O que se deu, na verdade, foi o seguinte: diante da evolução tecnológica, e para a instituição no país da tecnologia digital de transmissão de sons e imagens, sem interrupção da transmissão de sinais analógicos, fez-se imprescindível a consignação temporária de mais um canal às atuais concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens. Isso para que veiculassem, simultaneamente, a mesma programação nas tecnologias analógica e digital. Tratou-se de um ato do Presidente da República com o objetivo de manter um serviço público adequado, tanto no que se refere à sua atualidade quanto no tocante à sua continuidade. Ato por isso mesmo serviente do princípio constitucional da eficiência no âmbito da Administração Pública.
5. A televisão digital, comparativamente com a TV analógica, não consiste em novo serviço público. Cuida-se da mesma transmissão de sons e imagens por meio de ondas radioelétricas. Transmissão que passa a ser digitalizada e a comportar avanços tecnológicos, mas sem perda de identidade jurídica.
6. Os dispositivos impugnados na ação direta não autorizam, explícita ou implicitamente, o uso de canais complementares ou adicionais para a prática da multiprogramação, pois objetivam, em verdade, “permitir a transição para a tecnologia digital sem interrupção da transmissão de sinais analógicos” (caput do art. 7º do Decreto 5.820/2006). Providência corroborada pelo item 10.3 da Portaria 24, de 11 de fevereiro de 2009, do Ministro das Comunicações. Ademais, a multiprogramação só é tecnicamente viável, dentro da faixa de 6 Mhz do espectro de radiofreqüências, quando a transmissão ocorrer na definição padrão de áudio e vídeo (SD – Standard Definition). Para a transmissão de sons e imagens em alta definição (HD – High Definition), necessária se faz a utilização de quase toda a mencionada faixa de 6 Mhz. O que significa dizer que a consignação do canal “inteiro” de 6 Mhz é imprescindível para a adequada transição tecnológica.
7. O Decreto 5.820/2006 não outorga, não modifica, nem renova concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão de sons e imagens. Tampouco prorroga qualquer prazo. Inexistência de violação ao art. 223 da Constituição Federal. Também não há ofensa ao § 5º do art. 220 da Carta da República. Se monopólio ou oligopólio está a ocorrer, factualmente, nos meios de comunicação brasileiros, não é por conta do decreto ora impugnado, cuja declaração de inconstitucionalidade seria inútil para afastar a suposta afronta ao Texto Magno.
8. Ação que se julga improcedente.
* noticiado no Informativo 594
EXT. N. 1.174-CONFEDERAÇÃO HELVÉTICA
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: EXTRADIÇÃO. GOVERNO DA SUÍÇA. EXTRADITANDO QUE ESTÁ SENDO PROCESSADO, NO BRASIL, PELOS MESMOS FATOS. IMPROCEDÊNICA DO PEDIDO EXTRADICIONAL. Estando o estrangeiro a responder, na Justiça brasileira, pelos mesmos fatos, impõe-se o indeferimento do pedido de extradição, nos termos do art. 77, V, da Lei 6.815/1980. Pedido de extradição indeferido.
* noticiado no Informativo 599
MS N. 25.391-DF
RELATOR : MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. DESAPROPRIAÇÃO. REFORMA AGRÁRIA. VIABILIDADE DA ANÁLISE DOS VÍCIOS DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DO INCRA. PRELIMINAR REJEITADA. EXISTÊNCIA DE PROVA DE QUE A PESSOA QUE RECEBEU A NOTIFICAÇÃO DA VISTORIA PRÉVIA TINHA PODERES DE REPRESENTAÇÃO. REGULARIDADE DA INTIMAÇÃO DA ATUALIZAÇÃO CADASTRAL. POSSIBILIDADE DE DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL LOCALIZADO EM ÁREA DE FLORESTA AMAZÔNICA PARA ASSENTAMENTO AGROEXTRATIVISTA. A INEXISTÊNCIA DE PROVA DO CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 7º DA LEI 8.629/93 AFASTA A PROTEÇÃO CONFERIDA AO IMÓVEL RURAL OBJETO DE IMPLANTAÇÃO DE PROJETO TÉCNICO. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DE ENTIDADE DE CLASSE (ART. 2º DO DECRETO 2.250/97) SOBRE A VISTORIA PRÉVIA. INVASÃO DA PROPRIEDADE, POSTERIORMENTE À VISTORIA.
1. Vícios eventuais do procedimento administrativo se expõem à análise pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento de mandado de segurança impetrado contra o decreto presidencial. Preliminar afastada.
2. Não há nenhuma ilegalidade na notificação da vistoria prévia, dado que, além de a impetrante não haver demonstrado que a pessoa que a recebera não detinha poderes de representação, há nos autos prova em sentido contrário.
3. A impetrante foi regularmente intimada da atualização cadastral do imóvel rural. O endereço para o qual se enviou a correspondência consta da matrícula do imóvel e do próprio laudo agronômico. A autora deixou de afirmar, categoricamente, não haver recebido a intimação.
4. O imóvel rural situado em área de cobertura florestal primária, incidente no Ecossistema da Floresta Amazônica, é passível de desapropriação para fins de reforma agrária, desde que as terras sejam destinadas à criação de projetos de assentamento agroextrativista (parágrafo único do art. 1º da Portaria/MEPF 88/99 e § 6º do art. 37-A do Código Florestal).
5. A proteção conferida pelo art. 7º da Lei 8.629/93 ao imóvel objeto de implantação de projeto técnico não se aplica quando desatendidos os requisitos legais. Não comprovado, pela impetrante, o cumprimento de tais requisitos. Há, ao contrário, indícios de falsificação de documento.
6. A intimação da entidade de classe (art. 2º do Decreto 2.250/97) apenas é necessária se ela própria houver indicado a área a ser desapropriada. Precedentes: MS 23.312/PR, MS 23.889/MS, MS 25.185/DF.
7. A invasão do imóvel rural, após a ocorrência da vistoria prévia, não é óbice a sua desapropriação. Precedentes: MS 25.186/DF, MS 24.484/DF.
8. Segurança denegada. Remessa de cópia dos autos ao MPU, para apurar ocorrência de crime.
* noticiado no Informativo 586
HC N. 100.184-MG
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: PROCESSO PENAL. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTS. 297 E 304 DO CÓDIGO PENAL). PACIENTE NÃO LOCALIZADO NO ENDEREÇO CONSTANTE DOS AUTOS. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU QUE NÃO COMPARECEU AO RESPECTIVO INTERROGATÓRIO E DEIXOU DE NOMEAR DEFENSOR PARA A CAUSA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO PRESCRICIONAL. ART. 366 DO CPP. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. ART. 312 DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 366 do Código de Processo Penal estabelece que, “se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”.
2. Na concreta situação dos autos, o paciente não foi localizado no endereço constante dos autos. Citado por edital, não compareceu a Juízo nem constituiu advogado para o patrocínio da causa. Pelo que o magistrado processante decretou a suspensão tanto do processo quanto do respectivo lapso prescricional. Magistrado que entendeu desnecessária a prisão cautelar.
3. Isso não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais decretou a prisão preventiva do paciente, ao acolher recurso em sentido estrito, manejado pelo Ministério Público. Prisão preventiva que se acha embasada exclusivamente na citação editalícia do acusado, como fator de risco para a própria aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal. O que, segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é o suficiente para atingir a finalidade do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes: HC 79.392, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 86.140, da relatoria do ministro Cezar Peluso; e HC 86.599, da relatoria do ministro Marco Aurélio. É dizer: a prisão decretada pelo Tribunal mineiro não atende ao dever jurisdicional de fundamentação real das decisões. Decisão que se embasou exclusivamente na suspensão do processo-crime e respectivo lapso prescricional. Necessidade de uma concreta demonstração da imperiosidade da segregação processual, a partir de dados empíricos convincentes. Quadro que não se extrai dos autos.
4. Em matéria de prisão preventiva, a garantia da fundamentação das decisões judiciais implica a assunção do dever da demonstração de que o aprisionamento satisfaz pelo menos a um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não-culpabilidade prevalece até o momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
5. Ordem concedida.
HC N. 103.646-GO
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A VIDA. JULGAMENTO. DESAFORAMENTO. ALEGAÇÕES DE POSSÍVEL PARCIALIDADE DO JÚRI E DE RISCO À SEGURANÇA DO RÉU. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DENEGADA.
I – O desaforamento constitui medida excepcional, que somente terá lugar quando presente um dos seguintes motivos: i) interesse da ordem pública; ii) risco para a segurança do réu; iii) dúvida sobre a imparcialidade do júri.
II – No caso sob exame não se faz presente nenhuma das hipóteses elencadas, o que torna inviável o acolhimento do pleito.
III - Ordem denegada.
* noticiado no Informativo 597
HC N. 91.716-PR
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: Penal e processo penal. Recurso especial. Decisão monocrática, proferida por ministro do STJ, que julga parcialmente procedente o recurso. Alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Liberalidade prevista no art. 557, §1º-A, do CPC. Ausência de nulidade a ser reparada por habeas corpus. Crime de estelionato previdenciário. Prescrição. Marco inicial. Alteração de jurisprudência do STF. Precedentes. Ordem concedida de ofício.
Decisão singular em Recurso Especial que, examinando o mérito da causa, deu parcial provimento para diminuir a pena imposta ao réu, excluindo o aumento de pena decorrente das certidões consideradas para fins de maus antecedentes.
Insurgência do impetrante quanto à parte da decisão que negou provimento ao recurso com base no art. 557, §1º-A, do CPC, e em conformidade com a jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça.
Ausência de ofensa ao princípio da colegialidade. Faculdade outorgada pela norma que possibilita ao relator dar provimento ao recurso quando a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Tribunal Superior. Ausência de ilegalidade a ser reparada por habeas corpus.
Crime de estelionato previdenciário. Mudança de orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que passou a considerar o marco inicial da prescrição a data em que ocorreu o pagamento indevido da primeira parcela. Precedentes.
Habeas corpus concedido, de ofício, para o fim de reconhecer, no caso concreto, a aplicação do novo entendimento jurisprudencial em matéria de prescrição.
* noticiado no Informativo 598
Acórdãos Publicados: 398
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
CODESP e Imunidade (Transcrições)
(v. Informativo 597)
RE 253472/SP*
Redator para o acórdão: Min. Joaquim Barbosa
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980.
1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais:
1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto.
1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política.
1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.
2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA.
Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois:
2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público.
2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado.
2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação.
3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”.
Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento.
VOTO-VISTA: Trata-se de recurso extraordinário interposto de acórdão do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo que estabeleceu a validade da incidência do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana - IPTU sobre propriedade imóvel que compõe o acervo do Porto de Santos, bem como da cobrança de Taxas de Conservação, Limpeza e Iluminação de Logradouros Públicos.
Sustenta a recorrente que o acórdão viola os arts. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a, da Constituição. Segundo entende, a propriedade imóvel dos bens destinados às atividades portuárias é imune à incidência do IPTU, pois tais serviços são inerentes à União (bens públicos de uso especial), e a Codesp somente tem a guarda, a responsabilidade e a gestão do acervo patrimonial.
Iniciado o julgamento, na sessão de 20.09.2006, o eminente relator, Ministro Marco Aurélio, após examinar os pressupostos gerais e específicos de admissibilidade do recurso extraordinário, concluindo pela ausência de prequestionamento da alegada violação dos arts. 21, XII, f, 22, X, da Constituição, bem como da questão atinente à validade da incidência das taxas, votou pelo desprovimento do recurso, na parte conhecida.
Ponderou Sua Excelência que a matriz constitucional do IPTU abrange como fatos geradores admissíveis, além da propriedade imóvel em si, o domínio útil e a posse. Tal circunstância caracterizaria a recorrente como sujeito passivo do tributo. Por outro lado, o uso dos bens imóveis em jogo na exploração econômica desenvolvida por empresa de economia mista descaracteriza a imunidade recíproca, nos termos do art. 150, § 3º da Constituição.
Pedi vista dos autos para examinar com mais profundidade a questão, tendo em vista que sou relator de dois outros recursos extraordinários que versam sobre o alcance da imunidade, especificamente em relação aos templos de qualquer culto e à propriedade imóvel cedida a particular, para exploração de atividade econômica privada.
Passo ao voto.
De início, anoto que a Codesp é uma sociedade de economia mista, cujo objetivo é realizar a administração e a exploração comercial do Porto de Santos e dos demais portos ou instalações portuárias que já estejam ou vierem a lhe ser incorporados. Trata-se de atividade cuja exploração está a cargo da União, de forma direta ou mediante autorização, concessão ou permissão (art. 21, XII, f, da Constituição). Ademais, nos termos do Relatório de Administração para o exercício de 2006, a União é acionista majoritária da empresa, com 99,97% das ações.
Por outro lado, a propriedade imóvel que a recorrida pretende tributar integra o acervo das instalações portuárias e, segundo a recorrente, submete-se ao regime instituído pelo Decreto 85.309/1980.
Para confirmar a sujeição passiva da recorrente ao IPTU, a decisão recorrida adotou dois fundamentos.
O primeiro diz respeito à extensão da imunidade recíproca. Entendeu o Tribunal de origem que a circunstância de a propriedade imóvel que se pretende tributar pertencer à União não firma por si mesma a imunidade, pois, como dispõe o art. 150, § 3º da Constituição, o patrimônio relacionado com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação pelo pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, não estão abrangidas pela exoneração.
O segundo argumento presente na decisão recorrida diz respeito à possibilidade de a Codesp ser tida como sujeito passivo do IPTU, na medida em que a caracterização da imunidade recíproca não transcende a personalidade jurídica da União, e o fato gerador do tributo também abrange a posse a qualquer título (arts. 32 e 34 do Código Tributário Nacional).
Portanto, a questão de fundo submetida ao crivo da Corte se resume ao exame do alcance dos requisitos para reconhecimento da imunidade recíproca, pois, como observou o ministro-relator, as questões relativas à violação dos arts. 21, XII, f, 22, X, e em relação à validade das taxas, não foram prequestionadas.
Passo ao exame das razões do recurso.
Parto de três constatações para compor o teste de adequação constitucional da salvaguarda tributária, assim enumerados:
1) A imunidade tem por objetivo impedir que os entes federados utilizem a tributação para retaliar uns aos outros, para induzir comportamento político desejado ou para obter vantagens capazes de pôr em risco o adequado desenvolvimento regional, previsto no art. 3º da Constituição.
2) A salvaguarda é oferecida em detrimento do direito de outros entes arrecadarem recursos úteis à obtenção de seus objetivos institucionais;
3) A proteção refere-se aos interesses públicos primários, distanciados da questão da capacidade contributiva e do intuito de aumento patrimonial individual.
Com base em tais constatações, concluo que a aplicabilidade da imunidade recíproca depende da superação ou aprovação em teste de três estágios, presente a Constituição como parâmetro de controle, quais sejam:
1) A imunidade é “subjetiva”, isto é, ela se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em condições mais vantajosas, independentemente do contexto;
2) Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. Em decorrência, a circunstância de a atividade ser desenvolvida em regime de monopólio, por concessão ou por delegação, é de todo irrelevante;
3) A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante.
No caso em exame a parte-recorrente passa nos três estágios do teste.
Concordo com a premissa adotada pelo Tribunal de origem que entende que a circunstância objetiva de o imóvel tributado pertencer à União não justifica, de per se, a aplicação da imunidade tributária. Coerente, ademais, a constatação de que o exercício de atividades puramente econômicas não atrai a proteção conferida pela imunidade.
O equívoco, a meu sentir, está na caracterização da atividade desempenhada pela empresa-recorrente.
Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público (cf. o RE 172.816; rel. min. Paulo Brossard, DJ de 13.05.1994; o RE 356.711, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ de 07.04.2006; o RE 253.394, rel. min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ de 11.04.2003 e o RE 265.749 rel. min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ de 12.09.2003). A matéria, contudo, tem raízes bem mais antigas, que datam da Constituição de 1891, como registrou FRANCISCO CAMPOS (Direito Constitucional, v. I. São Paulo: Freitas Bastos, 1956, págs. 8-134) ao examinar a aplicação da imunidade à “Companhia Docas de Santos”, antecessora da Codesp.
Confirmariam a lesão à livre-iniciativa, à livre-concorrência e ao dever fundamental de pagar tributos três quadros hipotéticos.
Em primeiro lugar, se a participação privada no quadro societário da Codesp fosse relevante, o intuito lucrativo sobrepor-se-ia à exploração portuária como instrumentalidade do Estado. Não é o caso dos autos, dado que a União detém 99,97% das ações da empresa, segundo relatório de 2007. Mantida a relevância da instrumentalidade estatal, não se vislumbra violação do dever fundamental de pagar tributos e de custeio dos demais entes federados.
Por outro lado, os autos também não indicam que a Codesp opere com intuito primordial de auferir vantagem econômica para simples aumento patrimonial da União, como ocorre com outras empresas que exploram atividades sujeitas a monopólio, concessão ou delegação (e.g., a Petrobrás, RE 285.716-AgR, de minha relatoria, Segunda Turma, DJe de 26.03.2010).
Em segundo lugar, se a Codesp operasse em mercado de livre-acesso, o reconhecimento da imunidade violaria os postulados da livre-concorrência e da livre-iniciativa. Também não é o caso dos autos, já que não há indicação de que a Codesp tenha concorrentes em sua área de atuação específica (Porto de Santos).
Por fim, em terceiro lugar, considero importante examinar se a propriedade imóvel em questão é utilizada diretamente pela entidade imune em sua atividade-fim, ou se ao contrário, é cedida a terceiro, entidade privada que se dedica a explorá-la com intuito lucrativo.
Eu não teria dúvida em confirmar o acórdão recorrido se a propriedade da União fosse explorada economicamente por particular, com intuito lucrativo. Cheguei a esta conclusão durante o julgamento do RE 451.152, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, na sessão de 22.08.2006 na Segunda Turma. Naquela assentada, ponderei que a tributação do imóvel pertencente à União, mas explorado economicamente por particular, não traria risco algum ao equilíbrio entre os entes federados. Ademais, não se pode negar que a dedicação de particular à exploração de atividade econômica em caráter privado constitui signo demonstrativo de capacidade contributiva objetiva.
Naquele caso, o que se tinha era o particular deixando de concorrer com outros empreendedores em igualdade de condições por força de disposição constitucional impertinente ao exercício privado de atividades econômicas (imunidade recíproca), pondo de lado, assim, as questões econômicas ou de gerenciamento próprias do mercado. O valor do IPTU, naquela situação, deixa de ser um custo e, portanto, ou aumenta o lucro do negócio, ou diminui o preço do serviço.
No caso em exame não há tal risco, pois a recorrente é uma instrumentalidade da União. Ou seja: cuida-se de uma entidade derivada, criada com a finalidade de executar um mister que a Constituição atribuiu à própria União.
Em síntese, cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado. Não bastasse a grande quantidade de obrigações acessórias capazes de auxiliar a Administração em tal objetivo, o lançamento por ofício traz instrumentos eficientes para indicar se o imóvel é utilizado por particular em seu próprio interesse, de modo integral ou em fração ideal.
Do exposto, pedindo vênia ao eminente ministro-relator, conheço parcialmente do recurso extraordinário, tão-somente no que se refere à incidência do IPTU, e, na parte conhecida, dou-lhe parcial provimento, para reconhecer a imunidade do imóvel pertencente à União, mas afetado à Codesp, utilizado em suas atividades-fim.
É como voto.
* acórdão pendente de publicação
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
27 de setembro a 1º de outubro de 2010
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) -Prazo Processual - Feriado Forense
Portaria nº 310/STF, de 22 de setembro de 2010 - Transfere para 29 de outubro de 2010, sexta-feira, as comemorações alusivas ao Dia do Servidor Público. Comunica que nessa data e nos dias 1º e 2 de novembro de 2010 não haverá expediente na Secretaria do Tribunal. Os prazos que porventura devam iniciar-se ou completar-se nesses dias ficam automaticamente prorrogados para o dia 3 subsequente (quarta-feira). Publicada no DJe/STF de 28.9.2010, n.182, p.107.
SEGURANÇA PÚBLICA - Servidor Público - Cooperação - Participação
Decreto nº 7.318, de 28 de setembro de 2010 - Altera e acresce dispositivo ao Decreto no 5.289, de 29 de novembro de 2004, para regulamentar a participação de servidores civis nas atividades desenvolvidas no âmbito da cooperação federativa prevista na Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007. Publicado no DOU de 29.9.2010, Seção 1, p. 2.
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