Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
Plenário
Forças Armadas: limite de idade para concurso de ingresso e art. 142, § 3º, X, da CF - 4
Forças Armadas: limite de idade para concurso de ingresso e art. 142, § 3º, X, da CF - 5
Promoção de juiz federal
CNJ e ausência de intimação em procedimento de controle administrativo
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e ofensa à Súmula Vinculante 10 - 2
Reclamação: inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e ofensa à Súmula Vinculante 10 - 3
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas - 1
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas - 2
Falsidade ideológica para fins eleitorais e prestação de contas - 3
Art. 290 do CPM e princípio da insignificância - 3
1ª Turma
Arrependimento posterior e requisitos
Tráfico de drogas e liberdade provisória
Tráfico de drogas: liberdade provisória e ausência de fundamentação
Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 5
Art. 37, XI, da CF: Procuradores Autárquicos e Procuradores de Estado - 6
Transcrições
Reforma Agrária - Notificação Prévia - Inocorrência - Ofensa à Garantia do Devido Processo Legal (MS 25793/DF)
Inovações Legislativas
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade, ou não, do estabelecimento de limite de idade por edital de concurso para ingresso nas Forças Armadas. Trata-se, na espécie, de recurso interposto pela União contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendera que, em relação ao ingresso na carreira militar, a Constituição Federal exigiria que lei dispusesse a respeito do limite de idade (CF, art. 142, § 3º, X), não se admitindo, portanto, que um ato administrativo estabelecesse a restrição, sob pena de afronta ao princípio constitucional da ampla acessibilidade aos cargos públicos — v. Informativo 580. Em voto-vista, o Min. Ricardo Lewandowski, não obstante concordar com as premissas estabelecidas pela Min. Cármen Lúcia, relatora, sobre a necessidade de lei formal para regulamentar o ingresso nas Forças Armadas (postulado da reserva de lei), dela divergiu quanto à solução a ser dada para o caso. Acompanhou, no ponto, a proposta formulada pelo Min. Gilmar Mendes no sentido de prover o recurso e reputar ainda constitucional, pelo lapso temporal de 1 ano, a norma do art. 10 da Lei 6.880/80 (“O ingresso nas Forças Armadas é facultado, mediante incorporação, matrícula ou nomeação, a todos os brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei e nos regulamentos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.”).
RE 600885/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.11.2010. (RE-600885)
O Min. Gilmar Mendes, ao ressaltar a delicadeza do tema, aduziu sua repercussão na organização das Forças Armadas, de modo que poderia afetar seu funcionamento e sua funcionalidade. Ponderou que a norma adversada deveria ser considerada recepcionada pela CF/88 e que caberia ao Supremo sinalizar o seu processo de inconstitucionalização, para que seja adaptada, integrada, revista nos termos preconizados no voto da relatora. Consignou que a situação em apreço caracterizar-se-ia como hipótese de transição entre o modelo constitucional antigo e o novo. Os Ministros Dias Toffoli e Celso de Mello também acolheram esta proposição. Por outro lado, os Ministros Joaquim Barbosa, Ayres Britto e Marco Aurélio seguiram a relatora e desproveram o recurso. Este último enfatizou que a delegação prevista no aludido art. 10 do Estatuto dos Militares teria sido derrogada automaticamente pelo que se contém no art. 25 do ADCT, o qual estabeleceu prazo de 180 dias, a partir do advento da CF/88, para que ficassem revogados todos os dispositivos legais que atribuíssem ou delegassem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição. Rejeitava, contudo, a modulação de efeitos suscitada pela relatora para que a decisão somente se aplicasse aos concursos para ingresso nas Forças Armadas iniciados a partir deste julgamento, assim como não assinava prazo para que o Congresso Nacional legislasse. Após, verificado o empate, o julgamento foi suspenso.
RE 600885/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.11.2010. (RE-600885)
A norma do art. 93, II, b, da CF não se aplica à promoção de juízes federais por merecimento, em razão de estar submetida, ante o critério da especialidade, apenas ao requisito do implemento de 5 anos de exercício, conforme disposto no art. 107, II, da mesma Carta, incluído o tempo de exercício no cargo de juiz federal substituto (“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: ... II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas: ... b) a promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antigüidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago ... Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo: ... II - os demais, mediante promoção de juízes federais com mais de cinco anos de exercício, por antigüidade e merecimento, alternadamente.”). Ao reiterar essa orientação, o Plenário desproveu agravo regimental interposto contra decisão monocrática do Min. Ayres Brito, que negara seguimento a mandado de segurança, do qual relator, em que pleiteada a exclusão de juízes federais que não se encontrassem na primeira quinta parte da lista de antiguidade em determinado concurso de acesso ao TRF respectivo. Enfatizou-se que a Justiça Federal estaria organizada sem entrâncias, consideradas de um mesmo grau todas as seções judiciárias distribuídas pelas unidades federadas, o que afastaria a incidência da regra geral do art. 93, II, da CF, a qual pressupõe a distribuição na carreira por mais de uma entrância. Consignou-se, também, que a promoção de juízes federais diferiria da dos juízes do trabalho, dado que, para esta, não haveria menção de tempo mínimo específico, embora ambas pertençam à Justiça da União. Vencido o Min. Marco Aurélio que provia o regimental para que houvesse a seqüência do writ ao fundamento de que a questão relativa à obrigatoriedade, ou não, de o promovido por merecimento figurar na primeira quinta parte dos juízes mais antigos ainda não teria sido apreciada pelo Supremo. Precedente citado: MS 21631/RJ (DJU de 4.8.2000).
MS 27164 AgR/DF, rel. Min. Ayres Britto, 10.11.2010. (MS-27164)
O Plenário concedeu mandado de segurança para anular acórdão do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que considerara nulos todos os atos de nomeação de servidores públicos concursados do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso realizados após a expiração do prazo de validade da homologação dos resultados dos respectivos concursos. Entendeu-se afrontados os princípios do contraditório e da ampla defesa, haja vista que os impetrantes não teriam sido chamados para apresentar resposta no curso do processo administrativo que resultara em prejuízo à sua condição de servidores públicos. Destacou-se, ademais, que o art. 98 do Regimento Interno do CNJ o obrigaria a dar ciência aos eventuais interessados acerca da existência de procedimento pendente ou suscetível de influir nas respectivas pretensões individuais. Determinou-se que a autoridade coatora notifique os impetrantes sobre a existência de procedimento de controle administrativo instaurado contra eles, garantindo-lhes o direito de serem ouvidos, devendo ser mantidas as investiduras dos servidores nos seus cargos, sem prejuízo do reexame dos fatos por aquele Conselho. Precedente citado: MS 25962/DF (DJe de 20.3.2009).
MS 27154/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 10.11.2010. (MS-27154)
O Plenário retomou julgamento de dois agravos regimentais interpostos contra decisões que negaram seguimento a reclamações, ajuizadas contra acórdãos do Tribunal Superior do Trabalho - TST, nas quais se aponta ofensa à Súmula Vinculante 10 [“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”]. Sustenta-se que o Tribunal a quo, ao invocar o Enunciado 331, IV, do TST, teria afastado a aplicação do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, sem a devida pronúncia de inconstitucionalidade declarada pelo voto da maioria absoluta dos membros da Corte [“TST Enunciado nº 331 ... IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”] — v. Informativos 563 e 585. A Min. Ellen Gracie, em voto-vista, abriu divergência, deu provimento aos recursos e julgou procedentes as reclamações para determinar o retorno dos autos ao TST, a fim de que proceda a novo julgamento, nos temos do art. 97 da CF, manifestando-se, incidentalmente, quanto à eventual inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93.
Rcl 7517 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.11.2010. (Rcl-7517)
Rcl 8150 AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.11.2010.(Rcl-8150)
Salientou não ter havido no julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência que dera origem ao Enunciado 331, IV, do TST a declaração da inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, mas apenas a atribuição de certa interpretação ao citado dispositivo legal. Explicou que o Plenário do TST, ao julgar um incidente de uniformização, visa dirimir uma divergência jurisprudencial existente entre seus órgãos fracionários ou consolidar o entendimento por eles adotado, e não declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, finalidade esta de uma argüição de inconstitucionalidade, conforme disposto nos artigos 244 a 249 do Regimento Interno daquela Corte. Asseverou ser necessário, para que a cláusula da reserva de plenário seja devidamente observada, a reunião dos membros do tribunal com a finalidade específica de julgar a inconstitucionalidade de um determinado ato normativo, decisão que, por sua gravidade, não poderia ocorrer em um mero incidente de uniformização de jurisprudência. Ressaltou que, no caso, nem mesmo ter-se-ia declarado incidentalmente a inconstitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93. Observou que as disposições constantes do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 e do inciso IV do Verbete 331 do TST seriam diametralmente opostas e que o TST aplicara sua interpretação consagrada neste enunciado, o que esvaziara, desse modo, a força normativa daquele dispositivo legal. Concluiu que o TST, ao entender que a decisão recorrida estaria em consonância com a Súmula 331 do TST, negara implicitamente vigência ao art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, sem que seu Plenário houvesse declarado a sua inconstitucionalidade. Após o voto do Min. Marco Aurélio, que acompanhava a divergência, pediu vista dos autos o Min. Dias Toffoli.
Rcl 7517 AgR/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11.11.2010. (Rcl-7517)
Rcl 8150 AgR/SP, rel. Min. Eros Grau, 11.11.2010.(Rcl-8150)
O Plenário, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra Senador da República, e outro, pela suposta prática do crime de falsidade ideológica para fins eleitorais em concurso de pessoas (art. 350 do Código Eleitoral c/c o art. 29 do CP). Relata a peça acusatória que o parlamentar, então candidato a Governador do Estado de Rondônia, e o segundo denunciado, responsável pela administração financeira da campanha, teriam protocolado, em 24.11.98, no Tribunal Regional Eleitoral, prestação de contas com dados inverídicos, concernentes a doações feitas por certa empresa. Considerou-se a existência de indícios suficientes da autoria e materialidade do delito. Asseverou-se que a materialidade estaria suficientemente comprovada, na fase de cognição sumária, pela demonstração de recursos arrecadados, em que constaria a doação da referida empresa para a campanha do primeiro denunciado, pela comunicação, feita pelo sócio-proprietário dessa empresa, ao TRE, no sentido de não ter contribuído para a campanha eleitoral, e, ainda, pelas declarações de informações econômico-fiscais da pessoa jurídica que atestariam que a empresa não obtivera rendimentos, nem tivera movimentação financeira no período da suposta doação. Além disso, ter-se-ia o depoimento do referido sócio da empresa, que, ao ser inquirido, confirmara a autenticidade de sua assinatura na fotocópia da correspondência que encaminhara ao TRE.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.11.2010. (Inq-1990)
Quanto à autoria, afastou-se, de início, a alegação de atipicidade da conduta por ausência de elemento normativo objetivo do tipo, uma vez que, “se o documento que contém o falso ideológico depende ou está passível de verificação por degraus superiores, delito não existe”. Aduziu-se estar presente a potencialidade lesiva da conduta, haja vista a falta de condições materiais tanto do Poder Judiciário quanto de qualquer outro órgão para procurar cada um dos milhares de doadores de campanha para investigar se a doação realmente foi feita. Enfatizou-se haver confiança nas declarações prestadas e que a investigação só é realizada quando há suspeita de falsidade, como no caso. Acrescentou-se tratar-se de crime formal que não exige, para sua consumação, a efetiva ocorrência do dano. Não se acolheram, de igual modo, as assertivas de que a denúncia deveria ser rejeitada por ausência do elemento subjetivo do tipo na conduta, e de que os denunciados teriam agido de forma culposa, não havendo essa previsão no tipo penal. Observou-se ser fato incontroverso que os denunciados teriam assinado a demonstração de recursos arrecadados, o que levaria à presunção de que tinham conhecimento e estavam de acordo com o que haviam assinado. Fez-se referência ao que disposto nos artigos 20 e 21 da Lei 9.504/97 (“Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei. Art. 21. O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art. 20 desta Lei pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha, devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas.”). Ressaltou-se caber à defesa dos denunciados fazer a contraprova, no transcorrer da instrução processual, de que eles não agiram com dolo, salientando vigorar, nesta fase, o princípio do in dubio pro societate.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.11.2010. (Inq-1990)
Repeliu-se, também, o argumento de que seria indispensável, para a configuração do delito, que o agente realizasse a conduta típica para fins eleitorais, visto que, de outra forma, não se teria a incidência do art. 350 do Código Eleitoral, mas a do art. 299 do CP. Afirmou-se que os denunciados se defenderiam dos fatos alegados na denúncia, e não da tipificação legal atribuída pelo Ministério Público; que seria irrelevante, nesta fase, a classificação dada ao crime na denúncia, e que os fatos atribuídos aos denunciados estariam em consonância com os requisitos do art. 41 do CPP. Por fim, rechaçou-se a afirmação de que os donos da empresa em questão não mereceriam credibilidade por serem fraudadores do Fisco. Entendeu-se que tal argumento em nada alteraria a imputação feita pelo órgão ministerial e que, se algum ilícito tributário fora praticado por terceiros, isso deveria ser apurado pelas instâncias próprias. Vencidos os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes que, tendo em conta a pena máxima abstratamente cominada ao delito ser de 3 anos, e por reputarem ser de natureza privada a declaração firmada pelos denunciados perante o TRE (prestação de contas), não recebiam a denúncia por considerarem extinta a punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado.
Inq 1990/RN, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.11.2010. (Inq-1990)
Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, indeferiu habeas corpus, afetado ao Pleno pela 2ª Turma, impetrado contra acórdão do Superior Tribunal Militar - STM em favor de militar condenado pelo crime de posse de substância entorpecente em lugar sujeito à administração castrense (CPM, art. 290) — v. Informativos 519 e 526. Entendeu-se que, diante dos valores e bens jurídicos tutelados pelo aludido art. 290 do CPM, revelar-se-ia inadmissível a consideração de alteração normativa pelo advento da Lei 11.343/2006. Assentou-se que a prática da conduta prevista no referido dispositivo legal ofenderia as instituições militares, a operacionalidade das Forças Armadas, além de violar os princípios da hierarquia e da disciplina na própria interpretação do tipo penal. Asseverou-se que a circunstância de a Lei 11.343/2006 ter atenuado o rigor na disciplina relacionada ao usuário de substância entorpecente não repercutiria no âmbito de consideração do art. 290 do CPM, não havendo que se cogitar de violação ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Salientou-se, ademais, que lei posterior apenas revoga anterior quando expressamente o declare, seja com ela incompatível, ou regule inteiramente a matéria por ela tratada. Concluiu-se não incidir qualquer uma das hipóteses à situação em tela, já que o art. 290 do CPM seria norma especial. Em seguida, reputou-se inaplicável, no âmbito do tipo previsto no art. 290 do CPM o princípio da insignificância. No ponto, após discorrer que o referido postulado tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, concluiu-se que o entorpecente no interior das organizações militares assumiria enorme gravidade, em face do perigo que acarreta, uma vez que seria utilizado, no serviço, armamento de alto poder ofensivo, o que afetaria, diretamente, a operacionalidade da tropa e a segurança dos quartéis, independentemente da quantidade da droga encontrada, e agrediria, dessa forma, os valores básicos das instituições militares. O Min. Gilmar Mendes, tendo em conta o recente posicionamento do Plenário acerca da matéria no julgamento do HC 103684/DF (j. em 21.10.2010), acompanhou o colegiado, fazendo ressalva do seu entendimento pessoal em sentido contrário. Vencido o Min. Eros Grau que concedia o writ.
HC 94685/CE, rel. Min. Ellen Gracie, 11.11.2010. (HC-94685)
1ª parte
2ª parte
3ª parte
A incidência do arrependimento posterior, contido no art. 16 do CP (“Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”) prescinde da reparação total do dano e o balizamento, quanto à diminuição da pena decorrente da aplicação do instituto, está na extensão do ressarcimento, bem como na presteza com que ele ocorre. Essa a conclusão prevalente da 1ª Turma que, diante do empate, deferiu habeas corpus impetrado em favor do paciente — condenado pela prática dos crimes capitulados nos artigos 6º e 16 da Lei 7.492/86 e no art. 168, § 1º, III, do CP —, para que o juízo de 1º grau verifique se estão preenchidos os requisitos necessários ao benefício e o aplique na proporção devida. A defesa sustentava a incidência da referida causa de diminuição, pois teria ocorrido a reparação parcial do dano e o disposto no art. 16 do CP não exigiria que ele fosse reparado em sua integralidade. Aduziu-se que a lei estabeleceria apenas a data limite do arrependimento — o recebimento da denúncia —, sem precisar o momento em que deva ocorrer. Além disso, afirmou-se que a norma aludiria à reparação do dano ou restituição da coisa, sem especificar sua extensão. Nesse aspecto, a gradação da diminuição da pena decorreria justamente da extensão do ressarcimento, combinada com o momento de sua ocorrência. Assim, se total e no mesmo dia dos fatos, a redução deveria ser a máxima de dois terços. Os Ministros Cármen Lúcia, relatora, e Dias Toffoli, indeferiam a ordem por reputarem que a configuração do arrependimento posterior apenas se verificaria com a reparação completa, total e integral do dano. Afirmavam, ademais, que o parâmetro para a aplicabilidade dessa causa redutora de pena seria apenas o momento em que o agente procedesse ao ressarcimento da vítima. Nesse sentido, quanto mais próximo ao recebimento da peça acusatória fosse praticado o ato voluntariamente, menor a redução da pena.
HC 98658/PR, rel. orig. Min. Cármen Lúcia, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 9.11.2010. (HC-98658)
Ante a peculiaridade do caso, a 1ª Turma denegou habeas corpus, mas o concedeu, de ofício, por votação majoritária, para que a paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver custodiada. Na espécie, presa em flagrante, com outros réus, em 8.5.2007 — por suposto crime de tráfico ilícito de entorpecentes em associação (Lei 11.343/2006, artigos 33, caput, § 1º, I, e 35) —, permanecera enclausurada durante todo o processo. O juízo de primeiro grau a condenara à pena de 15 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, e a sanção pecuniária, mantendo a custódia cautelar. A defesa interpusera, dentre outros recursos, apelação, desprovida por maioria, e embargos infringentes. De início, salientou-se que o tema acerca da vedação da liberdade provisória a preso em flagrante por tráfico de entorpecentes aguarda o posicionamento do Plenário. Consignou-se, também, que a matéria relativa ao excesso de prazo não fora submetida ao crivo do STJ, o que impediria o seu conhecimento, sob pena de supressão de instância. Considerou-se, entretanto, que a situação dos autos admitiria concessão da ordem de ofício. No ponto, registrou-se, com base no andamento processual constante do site do tribunal estadual, o transcurso de praticamente 1 ano entre a sentença e o julgamento da apelação e, ainda, a distribuição dos embargos de infringência, opostos em 20.1.2010, apenas em 8.11.2010. Reputou-se patente o constrangimento ilegal, sobretudo por ser a paciente maior de 60 anos e portadora de doença grave (câncer), tendo assegurado, por lei, prioridade na tramitação em todas as instâncias. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que, por não entender configurado o excesso de prazo, apenas denegava o writ. Por fim, negou-se a extensão da ordem aos demais co-réus. Enfatizou-se que somente a paciente teria jus às benesses legais referidas, e que apenas ela obtivera um voto favorável pela absolvição e opusera embargos infringentes. Ademais, observou-se que os co-réus, em face da decisão unânime contra eles proferida, interpuseram recursos especial e extraordinário, ambos em tramitação. Desse modo, em relação a eles não haveria mais instância ordinária. Vencido, nesta parte, o Min. Marco Aurélio que estendia a concessão do habeas aos co-réus.
HC 102015/SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/acórdão Min. Dias Toffoli, 9.11.2010. (HC-102015)
A 1ª Turma concedeu habeas corpus a preso em flagrante por tráfico de entorpecentes para que aguarde em liberdade o trânsito em julgado da ação penal. Salientou-se que, não obstante a jurisprudência majoritária desta Corte no sentido de não caber liberdade provisória em tal crime, o caso concreto revelaria excepcionalidade a justificar a concessão. Explicou-se que o paciente obtivera a liberdade provisória em liminar deferida no writ impetrado no tribunal de justiça estadual. Consignou-se que, no julgamento de mérito daquele habeas corpus, a decisão por meio da qual fora determinada sua prisão preventiva ocorrera sem quaisquer dos fundamentos do art. 312 do CPP. Salientou-se, no ponto, a orientação firmada pelo Supremo segundo a qual a execução provisória da pena, ausente a justificativa da segregação cautelar, fere o princípio da presunção de inocência. Ressaltou-se, também, que, durante o período em que estivera solto, o paciente comparecera aos atos. Concluiu-se, dessa forma, que, se ele estivera em liberdade durante certo tempo, poderia assim permanecer até o trânsito em julgado.
HC 99717/DF, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (HC-99717)
Art. 37, XI, da CF: procuradores autárquicos e procuradores de estado - 5
Em conclusão, a 1ª Turma, desproveu recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que considerara ilegítima a distinção preconizada pelo Decreto paulista 48.407/2004. Referida norma estabelecera o teto dos vencimentos dos Procuradores Autárquicos com base no subsídio mensal do Governador, enquanto que, para os Procuradores do Estado, limitara os vencimentos a 90,25% dos subsídios mensais dos Ministros do Supremo — v. Informativo 578. Reputou-se inexistirem motivos para, na aplicação do subteto constitucional, proceder-se à aludida distinção. Salientou-se que a questão se cingiria em saber se a referência ao termo “Procuradores” no art. 37, XI, da CF, na redação dada pela EC 41/2003, alcançaria, ou não, os Procuradores Autárquicos. Registrou-se, no ponto, que a citada emenda constitucional, ao modificar o inciso XI do art. 37 da CF, fixara um teto absoluto, equivalente ao subsídio dos Ministros do STF, além de estabelecer outros parâmetros para os Estados, Distrito Federal e Municípios. Ressaltou-se, ainda, que tal dispositivo somente excepcionara os membros do Ministério Público, os Procuradores e Defensores Públicos do subteto correspondente ao subsídio do Governador depois da promulgação da EC 41/2003. Assinalou-se que, a partir da EC 47/2005, que alterara o § 12 do art. 37 da CF, facultara-se aos Estados e ao Distrito Federal, mediante emenda às respectivas Constituições ou à Lei Orgânica, fixar um subteto remuneratório único para todos os servidores, excetuados os parlamentares, o qual também deverá corresponder a 90,25% do subsídio mensal dos Ministros do Supremo.
RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (RE-558258)
Art. 37, XI, da CF: procuradores autárquicos e procuradores de estado - 6
Aduziu-se que a Constituição, ao utilizar o termo “Procuradores”, o fez de forma genérica, sem distinguir entre os membros das diversas carreiras da Advocacia Pública. Nesse diapasão, entendeu-se ser desarrazoada uma interpretação que, desconsiderando o texto constitucional, excluísse da categoria “Procuradores” os defensores das autarquias. Acrescentou-se que a jurisprudência do STF seria firme no sentido de que somente por meio de lei formal seria possível a estipulação de teto remuneratório. Em síntese, considerou-se não ser possível a fixação de teto por decreto. Ademais, reconheceu-se que o subsídio do Governador não serviria como parâmetro para fixação do teto de vencimentos dos Procuradores Autárquicos, pois esses também se submeteriam ao teto previsto no art. 37, XI, da CF, o qual tem como base o subsídio dos Ministros do STF. Por derradeiro, não se conheceu do recurso quanto aos artigos 131 e 132 da CF, uma vez que o recorrente não demonstrara de que forma a decisão recorrida teria contrariado os aludidos dispositivos constitucionais, incidindo, nesse aspecto, o Enunciado da Súmula 284 do STF (“É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”).
RE 558258/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 9.11.2010. (RE-558258)
Sessões | Ordinárias | Extraordinárias | Julgamentos |
Pleno | 10.11.2010 | 11.11.2010 | 12 |
1ª Turma | 9.11.2010 | — | 300 |
2ª Turma | — | — | — |
TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Reforma Agrária - Notificação Prévia - Inocorrência - Ofensa à Garantia do Devido Processo Legal (Transcrições)
MS 25793/DF*
RELATOR: Min. Celso de Mello
EMENTA: IMÓVEL RURAL. REFORMA AGRÁRIA. DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INOCORRÊNCIA. COMUNICAÇÃO RECEBIDA POR PESSOA ESTRANHA À EMPRESA PROPRIETÁRIA DE PRÉDIO RÚSTICO. COMPROVAÇÃO, PELA IMPETRANTE, DE QUE AQUELE QUE RECEBEU A NOTIFICAÇÃO NÃO DISPUNHA DE PODERES PARA REPRESENTÁ-LA. DESRESPEITO À GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW”. TRANSGRESSÃO AO DIREITO DE DEFESA E AO POSTULADO DO CONTRADITÓRIO. O SIGNIFICADO DA VISTORIA PRÉVIA. REFORMA AGRÁRIA E ABUSO DE PODER. INADMISSIBILIDADE. A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE: VETORES QUE PERMITEM RECONHECER O SEU ADIMPLEMENTO PELO “DOMINUS”. A SUBMISSÃO DO PODER PÚBLICO À “RULE OF LAW”. OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DA EMPRESA IMPETRANTE. PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança impetrado com a finalidade de invalidar declaração expropriatória – Decreto de 05 de outubro de 2005 (fls. 26) –, fundada em razões de interesse social, para fins de reforma agrária, referente ao imóvel rural denominado **, situado no Município de Sorriso, Estado de Mato Grosso.
A parte ora impetrante apóia sua pretensão na alegada “afronta ao disposto no § 2º do art. 2º da Lei n.º 8.629/93, já que não atendido o requisito da notificação/comunicação prévia à proprietária do imóvel vistoriado” (fls. 12).
Ao examinar o pedido de medida liminar formulado na presente sede processual, o eminente Ministro Presidente desta Suprema Corte deferiu o pleito cautelar, “(...) por ausência da prévia notificação quanto à realização da vistoria” (fls. 350).
Após a manifestação da autoridade impetrada, a douta Procuradoria Geral da República opinou pela concessão do mandado de segurança (fls. 392/394), em pronunciamento que possui a seguinte ementa (fls. 392):
“Mandado de segurança. Desapropriação para reforma agrária. Notificação prévia aos trabalhos que se promoveu em desatenção ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93. Comunicação recebida por pessoa estranha aos quadros societários ou ao pessoal da impetrante. Demonstração objetiva de que o destinatário não ostentava poderes de representação da proprietária. Vilipêndio ao seu direito de defesa e ao princípio do contraditório.
Parecer pela concessão da ordem.” (grifei)
Sendo esse o contexto, passo a examinar a presente controvérsia mandamental, registrando, no entanto, em caráter preliminar, as observações que se seguem.
O Supremo Tribunal Federal, mediante edição da Emenda Regimental nº 28, de 18 de fevereiro de 2009, delegou expressa competência ao Relator da causa, para, em sede de julgamento monocrático, denegar ou conceder a ordem de mandado de segurança, desde que a matéria versada no “writ” em questão constitua “objeto de jurisprudência consolidada do Tribunal” (RISTF, art. 205, “caput”, na redação dada pela ER nº 28/2009).
Ao assim proceder, fazendo-o mediante interna delegação de atribuições jurisdicionais, esta Suprema Corte, atenta às exigências de celeridade e de racionalização do processo decisório, limitou-se a reafirmar princípio consagrado em nosso ordenamento positivo (RISTF, art. 21, § 1º; Lei nº 8.038/90, art. 38; CPC, art. 544, § 4º) que autoriza o Relator da causa a decidir, monocraticamente, o litígio, sempre que este referir-se a tema já definido em “jurisprudência dominante” no Supremo Tribunal Federal.
Nem se alegue que essa orientação implicaria transgressão ao princípio da colegialidade, eis que o postulado em questão sempre restará preservado ante a possibilidade de submissão da decisão singular ao controle recursal dos órgãos colegiados no âmbito do Supremo Tribunal Federal, consoante esta Corte tem reiteradamente proclamado (RTJ 181/1133-1134, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – AI 159.892-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A legitimidade jurídica desse entendimento – que vem sendo observado na prática processual desta Suprema Corte (MS 27.649/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO - MS 27.962/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - decorre da circunstância de o Relator da causa, no desempenho de seus poderes processuais, dispor de plena competência para exercer, monocraticamente, o controle das ações, pedidos ou recursos dirigidos ao Supremo Tribunal Federal, justificando-se, em conseqüência, os atos decisórios que, nessa condição, venha a praticar (RTJ 139/53 - RTJ 168/174-175 - RTJ 173/948), valendo assinalar, quanto ao aspecto ora ressaltado, que o Plenário deste Tribunal, em recentíssima decisão (25/03/2010), reafirmou a possibilidade processual do julgamento monocrático do próprio mérito da ação de mandado de segurança, desde que observados os requisitos estabelecidos no art. 205 do RISTF, na redação dada pela Emenda Regimental nº 28/2009:
“AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO FORMULADO POR PROCURADOR-REGIONAL DA REPÚBLICA PARA PARTICIPAR EM CONCURSO DE REMOÇÃO PARA O PREENCHIMENTO DE VAGA DESTINADA A PROCURADOR DA REPÚBLICA. INADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA NO DIREITO PLEITEADO. SEGURANÇA DENEGADA. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
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III – Nos termos do art. 205 do Regimento Interno do STF, pode o Relator julgar monocraticamente pedido que veicule pretensão incompatível com a jurisprudência consolidada desta Corte ou seja manifestamente inadmissível.
IV – Agravo regimental improvido.”
(MS 27.236-AgR/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Pleno – grifei)
Tendo em vista essa delegação regimental de competência ao Relator da causa, impõe-se reconhecer que a controvérsia jurídica ora em exame ajusta-se à jurisprudência que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria em análise, o que possibilita seja proferida decisão monocrática sobre o litígio em questão.
Passo, pois, ao exame da controvérsia mandamental instaurada na presente causa.
A parte ora impetrante, para justificar a presente ação mandamental, apóia-se, em síntese, nos seguintes fundamentos (fls. 02/12):
“5. Sabe-se que na conformidade do que dispõe o § 2º, do artigo 2º da lei nº 8.629/93, há necessidade de que o proprietário rural seja previamente comunicado para a realização da vistoria pela autoridade administrativa (...):
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8. Reveste-se – a notificação prévia – portanto, em requisito intransponível para a validade da vistoria e dos atos subseqüentes, eis que assegura ao proprietário o direito de saber com a antecedência necessária o dia, a hora e o local em que serão realizadas as diligências, assim permitindo a sua mais ampla defesa.
9. O descumprimento da regra legal em comento, como no caso ocorreu, caracteriza evidente ilegalidade, atacável via mandado de segurança.
10. De fato, a aqui Impetrante, legítima proprietária do imóvel descrito no item 4, retro, não foi previamente notificada da vistoria levada a efeito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, com o que restaram violados os incs. LIV e LV, do art. 5º, da CF.
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13. Realmente, o que aconteceu é que um cidadão, de nome **, deu uma ‘autorização’ ao Incra para que efetivasse a indigitada vistoria, sem que tivesse qualquer legitimação à prática desse especialíssimo ato. Não exibiu, como não poderia mesmo exibir, qualquer autorização da proprietária – aqui Impetrante – conforme estampa o documento de fls. 03, do já indicado Processo Administrativo INCRA/SR-13/nº 54240.001203/2004-51 (doc. 5).
14. Isto, todavia, não o impediu de, além de autorizar a malfadada vistoria, oferecê-lo à venda – acredite-se – em julho de 2004, ‘ao Governo Federal, para fins de reforma agrária’, conforme se lê naquelas mesmas folhas 03.
15. Ocorre, porém, que dito cidadão, além de não ser proprietário do imóvel, também, não é preposto, nem representante da proprietária. Incrível, porém absolutamente verdadeiro.
16. Causa espécie, por outro lado, a falta de diligência do INCRA no sentido de acautelar-se em relação à autorização para consecução dessa infeliz vistoria, deixando de tomar providência básica, elementar e primária, qual a de exigir a prova da propriedade do imóvel.
18. Para que se possa entender o porquê da ocorrência de uma situação tal que beira o surrealismo, para não dizer tipificadora de grotesca conduta criminosa, mister se faz retroceder a seus antecedentes.
19. A empresa ** e outras prometeram vender ao citado ** 277.279 ações ordinárias nominativas da aqui Impetrante, ** (doc. 6).
20. Em razão da inadimplência do promissário-comprador (**), as empresas promitentes-vendedoras ajuizaram, em 18/3/1996, ação ordinária, objetivando fosse declarada a rescisão do contrato de promessa de compra e venda das ações. Isto, na 22ª Vara Cível, da Comarca da Capital, do Estado do Rio de Janeiro (proc. nº 96.001.031049-1). Dito feito foi sentenciado, tendo sido declarada, na forma do dispositivo abaixo transcrito, a rescisão daquele contrato (doc. 7):
‘Face ao exposto, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido para declarar rescindido o contrato de promessa de compra e venda de ações celebrado pelas partes, perdendo o réu em favor da autoras as importâncias pagas como parte do preço. Condeno o réu, ainda, nas custas processuais e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor da condenação.
P.R.I.
Rio de Janeiro, 14 de abril de 1999.
MARIA DA GLÓRIA OLIVEIRA BANDEIRA DE MELLO
JUÍZA DE DIREITO.’ (...)
....................................................
22. A impetrante chegou ao extremo de publicar no jornal de maior circulação no Estado de Mato Grosso, Edital de Protesto Judicial para ciência de terceiros da revogação da procuração, porque ** dela se utilizara para lesar incautos.” (grifei)
A autoridade ora apontada como coatora, ao prestar as informações que lhe foram solicitadas, sustentou a plena legitimidade jurídica do decreto ora impugnado, aduzindo, em síntese, as seguintes razões (fls. 362/390):
“2. No caso, a impetrante afirma – e é o único fundamento – que não foi intimada/notificada pelo INCRA para a vistoria que redundou na proposta e decreto de desapropriação, uma vez que teria sido outra pessoa, estranha à empresa, que assim fizera.
3. Ora, ainda que tal fosse mesmo verdadeiro, é essencial que existisse prova cabal da desvinculação de ** e a impetrante. No entanto, como bem demonstrado, tanto não há nenhuma evidência de que o imóvel seja produtivo e cumprisse sua função social, quanto – tendo havido ações judiciais entre a impetrante e o terceiro retro nominado por disputas possessória e reivindicatória – não há certeza de que este ao tempo da vistoria não dispusesse de poderes de representação, já que – é a impetrante dizendo – ** (coincidentemente dirigida por ** que também é diretor presidente da impetrante), prometeu à venda, de modo irrevogável e irretratável em 04.02.1994 a ** (doc. 6), 277.279 ações ordinárias nominativas da impetrante (avença depois rescindida em 14.04.1999 por sentença), concedendo-lhe procurações para representação da empresa inclusive junto a repartições federais, e que esse ‘terceiro’ teria secretamente alienado parte da ** (matrículas 28, 29, 30 RI/Sorriso-MT), havendo, como se vê do ‘Protesto’ e juntado o registro de algumas vendas, diferentes ações entre ambos e outras ainda entre terceiros e ambos.
4. Ora, desse emaranhado de relações controversas não resulta evidente que o Sr. ** não dispusesse de tais poderes em 24.07.2004 (notificação INCRA/SR-13/G/nº 998/2004, quando se noticiou a vistoria 3 dias após (do imóvel de 8.293 ha medidos, e não 12.265, ha com 5448 ha plantados de soja).
5. Nesses termos, embora verdadeiro que, ao menos parcialmente no remanescente, o imóvel todo (composto, aliás, de três glebas originadas de Títulos do Estado do Mato Grosso, de 8415HA - Natividade, 7658 ha - São Miguel, e 8647 ha - São Sebastião, de 08.03.1966) pertença à impetrante, não há certeza de que ‘não’ tenha havido acerto formal ou informal decorrente das negociações entre os interessados impetrante e terceiro e admissão por aquela da administração por este do imóvel, hipótese que, no caso, justificaria a legitimação do último para receber a notificação.
6. Ante o exposto, sem prova de que o imóvel é produtivo e sem demonstração clara de que o Sr. ** não estava legitimado para representar a impetrante, a impetração não pode ser acolhida.” (grifei)
Entendo que as razões expostas na inicial desta impetração, especialmente as relativas à falta de notificação prévia da parte impetrante e à conseqüente realização de vistoria sem que a empresa proprietária do imóvel dela tivesse conhecimento, conferem relevo jurídico (e integral procedência) à tese sustentada pela autora do presente “writ”.
É que, como se sabe, o processo de reforma agrária, em nosso país, não pode ser conduzido de maneira arbitrária, nem de modo ofensivo aos postulados constitucionais e legais que protegem e garantem o direito de propriedade.
Não custa enfatizar que o procedimento expropriatório assenta-se em duas fases principais e sucessivas, em que se inserem, a par da finalidade intrínseca a cada uma delas, meios de consecução adequados ao alcance de todas as exigências ali consubstanciadas, sejam as de ordem constitucional ou as de caráter meramente legal.
Inicia-se, a desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, pela verificação preliminar – exercida, administrativamente, por meio dos órgãos competentes do Poder Executivo – das características da propriedade que se pretende apta a sofrer a desapropriação-sanção.
Isso significa, portanto, que esse procedimento administrativo visa a aferir, objetivamente, o grau de atendimento, por determinada propriedade rural, dos requisitos necessários à sua identificação como imóvel em harmonia com a função social que lhe é inerente.
Vê-se, desse modo, que a ação administrativa concernente à propriedade rural, instrumentalizada, em sua fase introdutória, mediante vistoria prévia, constitui procedimento inafastável, eis que tem por finalidade aferir tanto o grau de aproveitamento da terra quanto o nível de eficiência em sua exploração, a partir de índices e parâmetros que foram estabelecidos em legislação infraconstitucional.
Constata-se, pois, que a vistoria prévia, enquanto procedimento preparatório, tem por escopo viabilizar o levantamento de dados que deverão informar o Poder Público quanto ao atendimento dos requisitos necessários à aferição, seja da produtividade da propriedade rural, seja da realização, por ela, da função social que lhe é inerente.
A necessidade dessa aferição traduz procedimento de caráter meramente técnico, que objetiva exteriorizar, a partir da descrição fática das condições econômicas, ambientais e das relações de trabalho desenvolvidas no imóvel rural, um quadro autorizador de sua qualificação como propriedade produtiva ou, ao contrário, tornar incontestável a certeza de sua improdutividade, abrindo-se-lhe, então, de modo inteiramente legítimo, a via constitucional da desapropriação, para fins de reforma agrária.
Uma vez constatado que a propriedade vistoriada não atende a função social, o ordenamento positivo autoriza a edição de decreto expropriatório. É certo, desse modo, que a declaração expropriatória representa o momento culminante de um procedimento administrativo que se desenvolve mediante fases autônomas destinadas a aferir a ocorrência de requisitos técnicos essenciais à legitimação desse verdadeiro ato de intervenção do Poder Público na esfera dominial privada.
Não constitui demasia insistir na asserção de que a vistoria tem por finalidade específica viabilizar o levantamento técnico de dados e informações sobre o imóvel rural, permitindo à União Federal – que atua por intermédio do INCRA – constatar se a propriedade realiza, ou não, a função social que lhe é inerente.
O ordenamento positivo determina que essa vistoria seja precedida de comunicação regular ao proprietário, em face da possibilidade de o imóvel rural que lhe pertence – quando este não estiver cumprindo a sua função social – vir a constituir objeto de declaração expropriatória, para fins de reforma agrária.
A exigência dessa vistoria administrativa é ditada pela necessidade de garantir, ao proprietário, a observância da cláusula constitucional do devido processo legal, sob pena de configuração de vício radical, apto a projetar-se sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de expropriação, contaminando-as, por efeito de repercussão causal, em ordem a gerar, por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória.
Cabe ter presente, neste ponto, decisão plenária do Supremo Tribunal Federal, proferida no julgamento do MS 22.164/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, ocasião em que esta Suprema Corte - ao apreciar a questão da reforma agrária sob a égide da garantia constitucional do devido processo legal - assim se pronunciou:
“REFORMA AGRÁRIA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.
- O postulado constitucional do ‘due process of law’, em sua destinação jurídica, também está vocacionado à proteção da propriedade. Ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). A União Federal - mesmo tratando-se de execução e implementação do programa de reforma agrária - não está dispensada da obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os princípios constitucionais que, em tema de propriedade, protegem as pessoas contra a eventual expansão arbitrária do poder estatal. A cláusula de garantia dominial que emerge do sistema consagrado pela Constituição da República tem por objetivo impedir o injusto sacrifício do direito de propriedade.”
Cumpre rememorar, por oportuno, neste ponto, o que disse, a tal respeito, no julgamento do MS 24.547/DF, a eminente Relatora da causa, Ministra ELLEN GRACIE, quando pôs em destaque o significado real da notificação prévia:
“(...) a notificação, que inaugura o devido processo legal, tem por objetivo dar ao proprietário a oportunidade de acompanhar os trabalhos de levantamento de dados, fazendo-se assessorar por técnicos de sua confiança, para apresentar documentos, demonstrar a existência de criações e culturas e fornecer os esclarecimentos necessários à caracterização da propriedade como produtiva e, portanto, isenta da desapropriação-sanção.” (grifei)
Também o eminente Ministro CARLOS VELLOSO, ao pronunciar-se em voto-vista proferido no MS 22.319/SP, definiu, com extrema propriedade, os fins a que se destina a vistoria administrativa promovida pelo INCRA:
“A prévia notificação aludida no citado § 2º do art. 2º, da Lei 8.629, de 1993, tem por finalidade a instauração da vistoria que dirá se a propriedade cumpre sua função social. Em despacho que proferi no MS 21.820-SP, sustentei que o devido processo legal da vistoria, que tem por finalidade verificar se a propriedade rural cumpre, ou não, sua função social, está na Lei 8.629, de 25.02.93, art. 2º, § 2º. O critério determinador dessa função social inscreve-se no art. 9º da citada lei. Estabelece o § 2º do art. 2º que os proprietários do imóvel rural são notificados da vistoria. Essa notificação desencadeia a possibilidade de o proprietário exercitar o direito de defesa. O proprietário poderia indicar, então, o seu assistente técnico – é claro que isto seria possível, caso contrário o acompanhamento da vistoria seria praticamente inócuo – que acompanhará a vistoria. Poderá o proprietário, ademais, requerer o que entender útil à defesa. O órgão incumbido da realização da vistoria apreciará os requerimentos, deferindo-os, ou não, sujeita a decisão ao controle judicial.” (grifei)
Vê-se, desse modo, considerada a correta perspectiva sob a qual os eminentes Ministros ELLEN GRACIE e CARLOS VELLOSO situam a questão da vistoria, que a possibilidade do exercício ulterior do direito de defesa, mediante impugnação aos fundamentos em que se apóia o laudo agronômico, ainda que viável em momento diverso daquele em que se realizou o levantamento técnico, não torna dispensável a efetivação – sempre necessária – da notificação prévia, pois, com tal comunicação, ensejar-se-á ao proprietário o direito de acompanhar a vistoria, de ministrar subsídios ao INCRA e de propor, no próprio local de efetivação desse mesmo ato, a adoção de medidas que visem a esclarecer ou a desfazer dúvidas.
Na realidade, a possibilidade de acompanhamento da vistoria compõe, em sua dimensão global, o próprio núcleo em que se funda o direito de defesa, que não se resume, portanto, à mera possibilidade de impugnação ulterior de peças ou de laudos periciais.
Cumpre destacar, bem por isso, que, em tema de desapropriação (mesmo tratando-se de desapropriação-sanção), impõe-se, ao Poder Público, o dever de sempre observar, de modo estrito, as formas constitucionais, que, nesse contexto, atuam como exigências inafastáveis, fundadas na garantia de conservação do direito de propriedade.
É certo que o direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto. A cláusula de sua proteção, embora inscrita na Carta Política, não lhe confere, ante a supremacia do interesse público, intangibilidade plena. Mas impõe, ao Estado, para que possa afetá-lo de modo tão radical, o dever de respeitar os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição. Tais restrições ao poder expropriatório do Estado objetivam, em última análise, dispensar tutela jurídica efetiva às pessoas que titularizam o direito de propriedade.
Não se questiona a necessidade da execução, no País, de um programa de reforma agrária. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem, inegavelmente, elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade (JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Curso de Direito Constitucional Positivo”, p. 272, 10ª ed., 1995, Malheiros) - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social.
Sabemos que a função social da propriedade, quando descumprida, legitima a intervenção estatal na esfera das relações dominiais privadas.
O princípio da função social da propriedade, de índole essencialmente constitucional, configura, sob tal perspectiva, inegável questão de fundo, apta a subordinar, notadamente em tema de expropriação estatal, a elaboração e a execução de quaisquer programas de reforma agrária.
A crescente intensificação do processo de modernização do Direito, no que concerne à propriedade da terra, acentua o dever jurídico, que incumbe ao proprietário, de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições restritivas, que, editadas pelo Estado, sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos.
Advirta-se, portanto, que a propriedade da terra estará assegurada, na medida em que desempenhe, em plenitude, a função social que lhe é inerente.
Isso significa que a realização desse encargo constitucional, que incide sobre o imóvel rural, só se considerará atendida, quando o titular do direito de propriedade cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade (Estatuto da Terra, artigo 2º, § 1º).
Nada justifica, porém, o emprego ilegítimo do instrumento expropriatório, quando utilizado, pelo poder estatal, com evidente transgressão dos princípios e das normas que regem e disciplinam as relações entre as pessoas e o Estado. Não se deve perder de perspectiva, por mais relevantes que sejam os fundamentos da ação expropriatória do Estado, que este não pode desrespeitar a cláusula do “due process of law” que condiciona qualquer atividade do Estado tendente a afetar a propriedade privada.
Desse modo, não se pode ignorar que a Constituição da República, após estender, ao proprietário, a garantia de sua proteção (art. 5º, XXII), proclama, em cláusula explícita, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens, sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV).
Daí a advertência do magistério doutrinário no sentido de que a destituição dominial de qualquer bem não prescinde - enquanto medida de extrema gravidade que é - da necessidade de observância, pelo Poder Público, das garantias inerentes ao “due process of law” (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 2/263-264, 1989, Saraiva).
Não custa enfatizar, por isso mesmo, que a União Federal - mesmo tratando-se da execução e implementação do programa de reforma agrária - não está dispensada da indeclinável obrigação de respeitar, no desempenho de sua atividade de expropriação, por interesse social, os postulados constitucionais, que, em tema de propriedade, protegem as pessoas e os indivíduos contra a eventual expansão arbitrária do poder.
Essa asserção - ao menos enquanto subsistir o sistema consagrado em nosso texto constitucional - impõe que se repudie qualquer medida que importe em virtual negação ou em injusto sacrifício do direito de propriedade.
Veja-se, pois, que o respeito à lei e à ordem jurídica representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania.
Nada pode justificar o desrespeito à autoridade das leis e à supremacia da Constituição da República.
O respeito ao ordenamento jurídico e a submissão de todos à idéia e à autoridade da lei (“rule of law”) traduzem comportamentos que prestam reverência ao princípio da legalidade, cuja primazia representa verdadeira pedra angular no processo de construção e de consolidação do Estado Democrático de Direito.
O dever de fidelidade à lei, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, atua como importante elemento de preservação da ordem jurídica e constitui pressuposto essencial à prática legítima das liberdades públicas.
Daí porque tenho por suficientes (e procedentes), para a concessão da presente ordem de mandado de segurança, as razões
concernentes à falta de notificação prévia dos representantes legais da empresa proprietária do imóvel e a conseqüente realização da vistoria sem o conhecimento desses mesmos representantes da impetrante/proprietária.
É que os representantes legais da impetrante não foram, em momento algum, notificados, qualquer que fosse o meio de comunicação, para os atos de vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º da Lei nº 8.629/93.
Cumpre ter presente, no caso ora em exame, como ressaltado na decisão que concedeu a medida liminar (fls. 350), que, “no laudo agronômico de vistoria efetivado pelo INCRA, consta como representante do imóvel o Sr. **”, mas que “referido nome não consta na cadeia dominial (fls. 28, 32, 38/45) nem na Ata de Reunião do Conselho de Administração da empresa ** (fls. 17/22)”.
Esse aspecto que venho de referir – ausência de prévia notificação pessoal ao real proprietário do imóvel rural em questão (ou a seus legítimos representantes) – basta, por si só, para inviabilizar, formalmente, o decreto presidencial impugnado na presente ação de mandado de segurança, eis que a União Federal, agindo por intermédio do INCRA, desrespeitou, frontalmente, a norma legal que impõe, ao Poder Público, na fase administrativa do procedimento de expropriação, o dever de promover a prévia notificação do proprietário do imóvel rural (Lei nº 8.629/93, art. 2º, § 2º).
Com efeito, a notificação a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, para que se repute válida e possa legitimar eventual declaração expropriatória, para fins de reforma agrária, há de ser efetivada na pessoa daquele que se qualifica como proprietário do imóvel rural que foi indicado como objeto de análise e vistoria prévias.
A imprescindibilidade dessa prévia e regular notificação resulta das graves conseqüências que podem derivar do levantamento de dados e informações pertinentes ao imóvel rural, eis que a finalidade da vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93 prende-se à constatação técnica do atendimento, ou não, pelo prédio rústico, da função social que lhe é inerente.
O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de garantir, ao proprietário, a observância da cláusula constitucional do devido processo legal, importa, ao contrário do que sustentado pela autoridade apontada como coatora, em vício radical que configura defeito insuperável, apto a projetar-se, por efeito de repercussão causal, como precedentemente salientado nesta decisão, sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de expropriação, gerando, em conseqüência, por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador da declaração expropriatória.
Foi por essa razão que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o MS 23.562/TO, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, declarou, “incidenter tantum”, a inconstitucionalidade da alteração introduzida no § 2º do art. 2º da Lei nº 8.629/93, pela MP nº 1.577/97, para proclamar que “A vistoria preparatória de expropriação para fins de reforma agrária não dispensa a notificação prévia dos proprietários, que tem por fim assegurar-lhes o acompanhamento dos procedimentos preliminares de apuração de dados e informações relativas ao imóvel. A falta desta notificação prévia ofende, ao mesmo tempo, os postulados constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa (CF, artigo 5º, LIV e LV)...” (RTJ 176/255).
Daí a relevância inquestionável da notificação pessoal e prévia do proprietário, que deve ser validamente promovida pelo INCRA, para efeito de realização da vistoria a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, a fim de que se legitime, em última análise, a própria declaração expropriatória consubstanciada no decreto presidencial, consoante tem advertido, em sucessivos pronunciamentos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 169/507, Rel. Min. NELSON JOBIM – RTJ 175/555, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 176/255, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – MS 23.012/PR, Rel. Min. ILMAR GALVÃO – MS 23.855/MS, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA, v.g.):
“NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E PESSOAL DA VISTORIA.
- A notificação a que se refere o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, para que se repute válida e possa conseqüentemente legitimar eventual declaração expropriatória para fins de reforma agrária, há de ser efetivada em momento anterior ao da realização da vistoria.
Essa notificação prévia somente considerar-se-á regular, quando comprovadamente realizada na pessoa do proprietário do imóvel rural, ou quando efetivada mediante carta com aviso de recepção firmado por seu destinatário ou por aquele que disponha de poderes para receber a comunicação postal em nome do proprietário rural, ou, ainda, quando procedida na pessoa de representante legal ou de procurador regularmente constituído pelo ‘dominus’.
- O descumprimento dessa formalidade essencial, ditada pela necessidade de garantir ao proprietário a observância da cláusula constitucional do devido processo legal, importa em vício radical que configura defeito insuperável, apto a projetar-se sobre todas as fases subseqüentes do procedimento de expropriação, contaminando-as, por efeito de repercussão causal, de maneira irremissível, gerando, em conseqüência, por ausência de base jurídica idônea, a própria invalidação do decreto presidencial consubstanciador de declaração expropriatória.”
(RTJ 164/158-160, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
“MANDADO DE SEGURANÇA. REFORMA AGRÁRIA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. LEI Nº 8.629/93, ART. 2º, PARÁGRAFO 2º. REALIZAÇÃO DE VISTORIA EM DATAS DIVERSAS DAS FIXADAS NAS NOTIFICAÇÕES ENCAMINHADAS AO PROPRIETÁRIO. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO QUE CONTAMINA O DECRETO PRESIDENCIAL.
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4. A jurisprudência do Tribunal considera indispensável que a notificação prevista no parágrafo 2º, do artigo 2º, da Lei nº 8.629/93 seja feita com antecedência, de modo a permitir a efetiva participação do proprietário, ou de preposto por ele designado, nos trabalhos de levantamento de dados que tem por objetivo a determinação da produtividade do imóvel. A notificação que inaugura o devido processo legal tem por objetivo dar ao proprietário a oportunidade real de acompanhar os trabalhos de levantamento de dados, fazendo-se assessorar por técnicos de sua confiança, para apresentar documentos, demonstrar a existência de criações e culturas e fornecer os esclarecimentos necessários à eventual caracterização da propriedade como produtiva e, portanto, isenta da desapropriação-sanção. Precedentes.
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7. Mandado de Segurança deferido.”
(MS 24.547/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE - grifei)
“DESAPROPRIAÇÃO. Interesse social. Reforma Agrária. Imóvel rural. Levantamento de dados e informações. Vistoria. Prévia comunicação escrita ao proprietário, preposto ou representante. Elemento essencial do devido processo da lei (‘due process of law’). Inobservância. Proprietários cientificados apenas no dia de início dos trabalhos da vistoria. Comunicação anterior recebida por terceiro. Nulidade do decreto reconhecida. Ofensa a direito líquido e certo. Segurança concedida. Aplicação do art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.629/93, cc. art. 5º, LIV, da CF.Precedentes. É nulo o decreto expropriatório de imóvel rural para fim de reforma agrária, quando o proprietário não tenha sido notificado antes do início dos trabalhos de vistoria, senão no dia em que esses tiveram início, ou quando a notificação, posto que prévia, não lhe haja sido entregue pessoalmente, nem a preposto ou representante seu.”
(MS 23.856/MS, Rel. Min. CEZAR PELUSO - grifei)
“MANDADO DE SEGURANÇA - REFORMA AGRÁRIA - DESAPROPRIAÇÃO-SANÇÃO (CF, ART. 184, ‘CAPUT’) - MÉDIA PROPRIEDADE RURAL (CF, ART. 185, I) - ÁREA QUE RESULTOU DE DOAÇÃO CELEBRADA EM MOMENTO QUE PRECEDEU TANTO A EDIÇÃO DA MP 1.577/97 (REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP 2.183-56/2001) COMO A PUBLICAÇÃO DO ATO PRESIDENCIAL QUESTIONADO - INEXPROPRIABILIDADE DO IMÓVEL RURAL EM QUESTÃO - FALTA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL E PRÉVIA DO PROPRIETÁRIO RURAL QUANTO À REALIZAÇÃO DA VISTORIA (LEI Nº 8.629/93, ART. 2º, § 2º) - OFENSA AO POSTULADO DO DUE PROCESS OF LAW (CF, ART. 5º, LIV) - NULIDADE RADICAL DA DECLARAÇÃO EXPROPRIATÓRIA - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO.
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A NOTIFICAÇÃO PRÉVIA DO PROPRIETÁRIO RURAL, EM TEMA DE REFORMA AGRÁRIA, TRADUZ EXIGÊNCIA IMPOSTA PELA CLÁUSULA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
- A vistoria administrativa do imóvel rural, na fase preliminar do procedimento expropriatório instaurado para fins de reforma agrária, deve ser precedida de notificação pessoal, dirigida ao proprietário rural, sob pena de desrespeito à cláusula constitucional do ‘due process of law’, cuja inobservância afeta a própria declaração expropriatória, invalidando-a desde o momento em que formalmente veiculada em decreto presidencial. Precedentes.”
(MS 23.006/PB, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Irretocável, sob tal aspecto, o parecer da douta Procuradoria Geral da República, que, ao reconhecer a efetiva ausência, no caso, da notificação prévia ao representante legal da parte ora impetrante, para efeito de vistoria do imóvel rural de que é proprietária, assim se manifestou (fls. 393/394):
“7. A documentação juntada aos autos evidencia que o Sr. ** não ostentava, ao tempo da notificação, qualquer espécie de relação jurídica regular com a impetrante, menos ainda exercia posse justa sobre as terras em foco.
8. Demonstrado, com propriedade, que o referido sujeito firmou contrato de promessa de compra e venda com uma série de empresas, pelo qual se comprometia a adquirir lote de ações ordinárias da impetrante. A avença, firmada em 1994, foi logo descumprida, o que o sujeitou ao ajuizamento de ação ordinária com pedido de rescisão contratual. Sobreveio sentença em abril de 1999, com todo o relato das circunstâncias do negócio jurídico referido. O Sr. ** foi destituído das prerrogativas que o contrato lhe garantia.
9. Em 18 de agosto de 1997 a empresa impetrante fez publicar em veículo jornalístico impresso – Diário de Cuiabá – anúncio de que o contrato firmado havia sido rescindido, revogados quaisquer poderes outorgados pela sociedade em instrumento de mandato ao Sr. ** – fls. 163, item 27.
10. O curso normal foi a retomada da **. Ajuizou-se então a competente ação reivindicatória, ladeada de ação cautelar. Sentença de mérito foi recebida em secretaria no dia 1º de julho de 2004, tornando-se, em tese, pública – fls. 195. O registro da decisão havia sido feito já em 30 de junho de 2004. A retoma do imóvel se consolidara, situação que tinha sido previamente estabelecida ao se deferir medida cautelar – fls. 199.
11. A impetrante, nesses moldes, demonstra que o Sr. ** não poderia ostentar a condição de representante da sociedade. Os laços que os ligavam de há muito se tinham desfeito. A sua cientificação, por edital veiculado em jornal local, de que não mais ostentava poderes de mandato é argumento que reforça essa idéia.
12. Esses eventos, ressalvado o julgamento de procedência da ação reivindicatória, são significativamente anteriores à data da notificação de final de julho de 2004. A fictícia representação da proprietária pelo Sr. ** deu-se com evidente abuso de confiança. Sua atuação perante a autarquia federal era ilegítima, como demonstra o quadro documental anexado aos autos.
13. A argumentação que sugere lesão ao art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93 parece ter substância, portanto. A efetiva proprietária das terras não foi regularmente notificada da realização dos trabalhos técnicos, restando impedida de deduzir mínima defesa perante o procedimento administrativo. Quem tomou a frente dos trabalhos, ao contrário, foi pessoa em litígio com a impetrante, como se fosse proprietário das terras, quando, de outro lado, o Poder Judiciário poucos dias antes havia decretado a natureza injusta da posse que exercia, demitindo-o dela. Esclarecimentos e ponderações pertinentes aos estudos técnicos podem ter sido deixados de lado pela pessoa que acompanhou os trabalhos, em detrimento dos resultados do estudo e, em última análise, com prejuízo da ora impetrante.
14. Como visto, a procedimento administrativo fora promovido fora dos parâmetros legais (art. 2º, § 2º, da Lei 8.629/93). Há, portanto, ilegalidade a ser colmatada.
Ante o exposto, o Ministério Público Federal propõe a concessão da ordem.” (grifei)
Sendo assim, pelas razões expostas, e acolhendo, ainda, o parecer da douta Procuradoria Geral da República (fls. 392/394), defiro este mandado de segurança, para invalidar o decreto de 05/10/2005 editado pelo Senhor Presidente da República (DOU de 06 de outubro de 2005), que declarou de interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural “**”, situado no Município de Sorriso, Estado de Mato Grosso (Processo INCRA/SR - 13/nº 54240.001203/2004-51, fls. 26).
Comunique-se.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 05 de novembro de 2010.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
*decisão publicada no DJe de 11.11.2010
** nomes suprimidos pelo Informativo
INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
8 a 12 de novembro de 2010
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Organização Judiciária - Competência - Secretaria Judiciária
Resolução nº 443, de 28.10.2010 - Delega competência à Secretária Judiciária do Supremo Tribunal Federal. Publicada no DJe/STF, n. 213, p. 1, em 8.11.2010.
Petição - Habeas Corpus - Central do Cidadão e Atendimento
Resolução nº 444, de 28.10.2010 - Institui e altera procedimentos para prática de atos processuais no âmbito da Secretaria do Tribunal. Publicada no DJe/STF, n. 213, p. 1, em 8.11.2010.
Prazo Processual - Feriado
Portaria nº 352, de 8.11.2010 - Comunica que não haverá expediente na Secretaria do Tribunal no dia 15 de novembro de 2010 (segunda-feira), em virtude do disposto no artigo 1º da Lei nº 10.607, de 19 de dezembro de 2002. Publicada no DJe/STF, n. 216, p. 156, em 11.11.2010.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br
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