sexta-feira, 2 de março de 2012

Informatico - STF - 655



Brasília, 13 a 24 de fevereiro de 2012 - Nº 655.

Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.


SUMÁRIO




Plenário
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 10
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 11
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 12
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 13
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 14
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 15
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 16
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 17
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 18
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 19
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 20
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 21
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 22
Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 23
Estatuto de Defesa do Torcedor - 1
Estatuto de Defesa do Torcedor - 2
Estatuto de Defesa do Torcedor - 3
Estatuto de Defesa do Torcedor - 4
Estatuto de Defesa do Torcedor - 5
ICMS: operação interestadual e comércio eletrônico - 1
ICMS: operação interestadual e comércio eletrônico - 2
Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 4
Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 5
Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 6
1ª Turma
Porte de entorpecente e princípio da insignificância
Militar e tribunal do júri
2ª Turma
Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 1
Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 2
Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 3
Impedimento de magistrado e juízo de admissibilidade
Terras indígenas e conflito de competência - 2
Repercussão Geral
Clipping do DJ
Transcrições
“Habeas Corpus” - Doutrina Brasileira - Cessação (HC 109327-MC/RJ)


PLENÁRIO

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 10

A Lei da “Ficha Limpa” é compatível com a Constituição e pode ser aplicada a atos e fatos ocorridos anteriormente à edição da LC 135/2010. Essa a conclusão do Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações declaratórias de constitucionalidade e improcedente o em ação direta de inconstitucionalidade, todas por votação majoritária. As primeiras foram ajuizadas pelo Partido Popular Socialista - PPS e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto a integralidade da LC 135/2010 — que alterou a LC 64/90, para instituir hipóteses de inelegibilidade —, e a última, pela Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL, em face do art. 1º, I, m, do mesmo diploma [“Art. 1º São inelegíveis: I - para qualquer cargo: ... m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário”] — v. Informativos 647 e 650. Preliminarmente, reiterou-se que a análise do Colegiado cingir-se-ia às hipóteses de inelegibilidade introduzidas pela LC 135/2010.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)
1ª parte Audio
2ª parte Audio



Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 11

No mérito, ressaltou-se que o diploma normativo em comento representaria significativo avanço democrático com o escopo de viabilizar o banimento da vida pública de pessoas que não atenderiam às exigências de moralidade e probidade, considerada a vida pregressa, em observância ao que disposto no art. 14, § 9º, da CF (“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”). Enfatizou-se, outrossim, que a norma seria fruto de iniciativa popular, a evidenciar o esforço da população brasileira em trazer norma de aspecto moralizador para a seara política. Não obstante, assinalou-se eventual caráter contramajoritário do Supremo, o qual não estaria vinculado às aspirações populares.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 12

Assentou-se que os critérios eleitos pelo legislador complementar estariam em harmonia com a Constituição e que a LC 135/2010 deveria ser apreciada sob a ótica da valorização da moralidade e da probidade no trato da coisa pública, da proteção ao interesse público. Além disso, os dispositivos adversados ostentariam o beneplácito da adequação, da necessidade e da razoabilidade. O Min. Luiz Fux, relator, teceu considerações sobre o princípio da presunção de inocência e repeliu a alegação de que a norma o ofenderia. Aduziu que o exame desse postulado não deveria ser feito sob enfoque penal e processual penal, e sim no âmbito eleitoral, em que poderia ser relativizado. O Min. Joaquim Barbosa, na assentada anterior, relembrara que inelegibilidade não seria pena, motivo pelo qual incabível a incidência do princípio da irretroatividade da lei, notadamente, da presunção de inocência às hipóteses de inelegibilidade. A Min. Rosa Weber, após escorço histórico sobre o tema, discorreu que o princípio estaria relacionado à questão probatória no processo penal, a obstar a imposição de restrições aos direitos dos processados antes de um julgamento. Sinalizou, todavia, que a presunção de inocência admitiria exceções por não ser absoluta. Ademais, frisou que o postulado não seria universalmente compreendido como garantia que perdurasse até o trânsito em julgado e que irradiaria efeitos para outros ramos do direito. No campo eleitoral, especialmente no que se refere à elegibilidade, consignou a prevalência da proteção do público e da coletividade. Explicitou, ainda, que as inelegibilidades decorreriam de julgamento por órgão colegiado, sem necessidade de trânsito em julgado. Esclareceu, no ponto, que a própria lei complementar teria previsto a possibilidade de correção, por órgão recursal, de eventuais irregularidades na decisão (“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1º poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso”).
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 13

Na sequência, a Min. Cármen Lúcia ressurtiu que nos debates da constituinte, adotara-se o princípio da não culpabilidade penal e que, no caso, estar-se-ia em sede de direito eleitoral. Relativamente à não exigência de trânsito em julgado, o Min. Ricardo Lewandowski rechaçou eventual conflito com o art. 15, III, da CF, ao ponderar que o legislador escolhera por sobrelevar os direitos previstos no art. 14, § 9º, do mesmo diploma. O Min. Ayres Britto asseverou que a Constituição, na defesa da probidade administrativa, teria criado uma espécie de processo legal eleitoral substantivo, que possuiria dois conteúdos: o princípio da respeitabilidade para a representação da coletividade e o direito que tem o eleitor de escolher candidatos honoráveis. Arrematou que a lei complementar seria decorrência da saturação do povo com os maus-tratos infligidos à coisa pública e que as matérias relativas a retroação, corporação, órgão colegiado, presunção de inocência já teriam sido exaustivamente debatidas no Congresso Nacional quando da análise da lei. O Min. Marco Aurélio, por sua vez, anotou que o conceito alusivo à vida pregressa seria aberto. Aquiesceu ao elastecimento do prazo de inelegibilidade previsto em alíneas da lei vergastada e salientou tratar-se de opção político-normativa — a não implicar inelegibilidade por prazo indeterminado —, a qual não permitiria ao STF atuar como legislador positivo e adotar, impropriamente, a detração. Mencionou, ainda, que esta Corte proclamara não poder haver a execução da pena antes do trânsito em julgado da decisão condenatória e que o preceito não versaria sobre inelegibilidade.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 14

Assim, no pertinente à ação declaratória proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (ADC 30/DF), ficaram parcialmente vencidos os Ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cezar Peluso, Presidente. O relator declarava inconstitucionais, em parte, as alíneas e [“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: ...”] e l [“os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena”] do inciso I do art. 1º da LC 64/90, com a redação conferida pela LC 135/2010, para, em interpretação conforme a Constituição, admitir a redução, do prazo de 8 anos de inelegibilidades posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado (detração).
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 15

O Min. Dias Toffoli, tendo em conta a aplicação do princípio da presunção de inocência às causas de inelegibilidade previstas na LC 135/2010, entendia incompatível com a Constituição vedar a participação no pleito eleitoral de condenados por suposta prática de ilícitos criminais, eleitorais ou administrativos, por órgãos judicantes colegiados, mesmo antes da definitividade do julgado. Razão pela qual declarava a inconstitucionalidade das expressões “ou proferida por órgão colegiado” contidas nas alíneas d, [“os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”], e, h [“os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes”] e l do inciso I do art. 1º e “ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral” dispostas nas alíneas j [“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição”] e p [“a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22”] do preceito. Em consequência, enunciava a inconstitucionalidade, por arrastamento: a) do caput do art. 15; b) da expressão “independente da apresentação de recurso” inserida no parágrafo único do art. 15; c) dos artigos 26-A e 26-C, caput e §§ 1º, 2º e 3º, todos da LC 64/90, com as alterações promovidas pela LC 135/2010; e d) do art. 3º da LC 135/2010.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 16

Além disso, conferia interpretação conforme às alíneas m e o [“os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário”] do inciso I do art. 1º, I, para esclarecer que a causa de inelegibilidade somente incidiria após a condenação definitiva no âmbito administrativo, de forma que o prazo de inelegibilidade começaria a contar a partir da decisão final administrativa definitiva. Igual solução propugnava quanto à alínea q [“os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos”], no intuito de que: a) a expressão “por decisão sancionatória” pressupusesse decisão administrativa definitiva e b) o termo “sentença” fosse interpretado como decisão judicial transitada em julgado, consoante o art. 95, I, da CF. Atribuía interpretação conforme à expressão “aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”, prevista na parte final da alínea g [“os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição”], com o objetivo de explicar que os Chefes do Poder Executivo, ainda quando atuassem como ordenadores de despesas, submeter-se-iam aos termos do art. 71, I, da CF. Por fim, declarava a inconstitucionalidade da alínea n [“os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude”], uma vez que instituíra ilícito autônomo capaz de gerar, por si, espécie de condenação ou hipótese autônoma de inelegibilidade.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 17

O Min. Gilmar Mendes, de início, enfatizava o forte teor simbólico da lei complementar e, no ponto, vislumbrava não ser possível relativizar princípios constitucionais para atender anseios populares. Ressaltava a existência de outros mecanismos postos à disposição dos cidadãos e dos diversos grupos com o fulcro de impedir a candidatura e a consequente eleição de pessoas inaptas, sob o enfoque da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato eletivo, a saber: o voto, a escolha de candidatos no âmbito dos partidos políticos e o controle das candidaturas pelos cidadãos eleitores, cidadãos candidatos e partidos. Reprochava a dispensa do trânsito em julgado. Enaltecia que a exigência de coisa julgada para a suspensão de direitos políticos como sanção em ação de probidade não significaria dispensa da probidade administrativa ou da moralidade para o exercício de mandato eletivo. Todavia, consagraria a segurança jurídica como fundamento estruturante do Estado Democrático de Direito. Em passo seguinte, também dava interpretação conforme a Constituição à parte final da alínea g, no sentido de que o Chefe do Poder Executivo, ainda quando atuasse como ordenador despesa, sujeitar-se-ia aos termos do art. 71, I, da CF. Quanto à alínea m, registrava que essa disposição traria restrição grave a direito político essencial a ser praticada por órgãos que não possuiriam competência constitucional para fazê-lo e que operariam segundo uma miríade de regras disciplinares a dificultar fiscalização segura e eficiente por parte do Estado. Relativamente à alínea o, asseverava que, para que se amoldasse à dogmática constitucional de restrição de direito fundamental, impenderia emprestar interpretação conforme a Constituição ao dispositivo a fim de restringir a pena de inelegibilidade às hipóteses de demissão que guardassem conexão direta com a sanção de improbidade administrativa. Acompanhava o Min. Dias Toffoli no que se referia à alínea n. No mesmo diapasão, declarava a inconstitucionalidade da expressão “ou proferida por órgão colegiado” inserta nas alíneas e e l, pois necessário o trânsito em julgado, além de caracterizado o excesso do legislador, em ofensa ao princípio da proporcionalidade. Vencido no tópico, acatava a detração sugerida pelo relator.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 18

Ao seu turno, o Min. Celso de Mello observava que a iniciativa popular não poderia legitimar nem justificar a formulação de leis que transgredissem a Constituição e que pudessem implicar, a partir de sua incidência, supressão ou limitação de direitos fundamentais, já que estes comporiam núcleo insuscetível de reforma, até mesmo por efeito de deliberação do Congresso Nacional quando no desempenho de seu poder reformador. Em seguida, distinguia inelegibilidade inata — resultante diretamente da existência de certas situações, a exemplo das relações de parentesco ou conjugais — da cominada — típica sanção de direito eleitoral que restringiria a capacidade eleitoral passiva de qualquer cidadão, na medida em que o privaria, mesmo que temporariamente, do exercício de um direito fundamental, qual seja, o de participação política. Abordava a questão da presunção de inocência, no sentido de não admitir a possibilidade de que decisão ainda recorrível pudesse gerar inelegibilidade. Confirmava a validade constitucional das alíneas c, d, f, h, j, p e q do inciso I do art. 1º da LC 135/2010. Relativamente à alínea g, na mesma linha dos votos proferidos pelos Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, dava interpretação conforme, de sorte que o inciso II do art. 71 da CF fosse aplicado a todos os ordenadores de despesa, mas elucidava que o Chefe do Executivo, ainda quando atuasse nessa condição de ordenador de despesas, submeter-se-ia ao tribunal de contas e ao Poder Legislativo, nos termos do inciso I da citada norma constitucional. Acatava a interpretação conforme atribuída pelo Min. Dias Toffoli no que dizia respeito às alíneas m e o, contudo, acrescentava a esta última, consoante defendido pelo Min. Gilmar Mendes, a necessidade de que a demissão do serviço público guardasse conexão com atos de improbidade administrativa. Assentava, ainda, a inconstitucionalidade das alíneas e e l. Por derradeiro, vencido na parte referente à presunção de inocência, acolhia a proposta do relator no tocante à detração, bem como sua formulação original quanto à alínea k [“o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura”] com o fito de que compreendesse somente a renúncia efetivada após a instauração de processo, não em face de mera representação ou de simples denúncia que qualquer cidadão pudesse fazer à Câmara contra o Presidente da República ou deputado.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 19

O Presidente dessumiu que, para a presunção de inocência, não importaria que as medidas gravosas ou lesivas fossem de ordem criminal ou não, haja vista que se objetivaria preservar a condição do réu, enquanto não julgado, de não ser tratado como coisa. Logo, se não condenado, nenhuma medida restritiva em sua esfera jurídica lhe poderia ser imposta com base em juízo de culpabilidade ainda não formado em caráter definitivo. Seguia o Min. Gilmar Mendes, no concernente à alínea m, ao fundamento de que a causa de inelegibilidade vinculada a decisões de órgãos corporativos e profissionais conferiria a ente não estatal o poder de retirar um direito público subjetivo, que deveria ser tratado no campo da área pública. Assentia com as inconstitucionalidades por arrastamento sugeridas pelo Min. Dias Tofolli e, no mais, acompanhava-o integralmente.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 20

No tocante à ação declaratória ajuizada pelo PPS (ADC 29/DF) — na qual requerida também a incidência do diploma adversado a atos e fatos jurídicos anteriores ao seu advento —, o Min. Luiz Fux afirmou que a consideração desses, para fins de aplicação da LC 135/2010, não macularia o princípio constitucional da irretroatividade das leis. O Min. Dias Toffoli, ao destacar a inexistência de direito adquirido a regime jurídico de elegibilidade, reputou que a aplicação do diploma não diria respeito à retroatividade ou a novas causas de inelegibilidade, mas sim à incidência em processos eleitorais vindouros, cujo marco temporal único para o exame das condições de elegibilidade seria o registro da candidatura. Se assim não fosse, ter-se-ia duplo regime jurídico de inelegibilidades num mesmo processo eleitoral, a concorrer candidatos submetidos à LC 135/2010 e outros, à legislação anterior. Sublinhou que, se uma norma passasse a exigir novas condições para que alguém fosse candidato, essa inovação, não obstante pautada em fato pretérito, somente deveria valer para processos eleitorais futuros, visto que a criação de novo critério selecionador de condições subjetivas de elegibilidade — que, necessariamente, operar-se-ia para o futuro —, buscaria esses requisitos no passado. Concluiu que o princípio da anterioridade eleitoral (CF, art. 16) evitaria a criação de cláusulas de inelegibilidade casuísticas. Nesse contexto, a Min. Rosa Weber vislumbrou que a elegibilidade seria condição a ser averiguada por ocasião de cada pleito eleitoral segundo a lei da época, não havendo que se falar em direito adquirido. Ademais, as hipóteses de inelegibilidade consagradas na norma em tela teriam caráter geral e aplicar-se-iam a todos, para o futuro, ou seja, apenas para as próximas eleições.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 21

A Min. Cármen Lúcia realçou que o que se passaria na vida de alguém não se desapegaria de sua história, de forma que, quando um cidadão se propusesse a ser o representante dos demais, a vida pregressa comporia a persona que se ofereceria ao eleitor e seu conhecimento haveria de ser de interesse público, a fim de se chegar à conclusão de sua aptidão — que a Constituição diria moral e proba — para esse mister. O direito marcaria, traçaria a etapa e os dados dessa vida passada que precisariam ser levados em conta. Apontou que a norma impugnada pregaria e confirmaria cada qual dos princípios constitucionais. O Min. Ricardo Lewandowski rememorou inexistir retroatividade, porquanto não se cuidaria de sanção, porém de condição de elegibilidade. O Min. Ayres Britto citou que a Constituição, em seu § 9º do art. 14, teria autorizado a lei complementar a criar, estabelecer requisitos (pré-requisitos) de configuração do direito de se candidatar. Não dissera restrições ao exercício de direito. Seriam, ao contrário, pressupostos que, se não preenchidos, afastariam o próprio direito à candidatura.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 22

Vencido o relator, que julgava o pleito parcialmente procedente, nos termos já explicitados. Vencidos, em maior extensão, os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Presidente, que, por rejeitarem a retroação, reputavam-no improcedente. O primeiro acentuava o caráter retroativo da lei complementar e determinava sua aplicação apenas aos fatos ocorridos após a sua vigência, respeitada a anualidade eleitoral (CF, art. 16). O segundo, tendo em conta o princípio da segurança jurídica, aludia ser cláusula pétrea o respeito às situações aperfeiçoadas nos termos da legislação da época, de forma que a lei seria válida e abarcaria atos e fatos que tivessem ocorrido após junho de 2010. Abordava que, se assim não fosse, aqueles que claudicaram deveriam ter tido uma premonição quanto a vinda à balha dessa lei. O terceiro afastava a incidência dessas novas hipóteses de inelegibilidade a contextos pretéritos, bem como desses novos prazos, dilatados de três para oito anos. Advertia que o reconhecimento da possibilidade de o legislador imputar a situações já consumadas e aperfeiçoadas no passado, conforme o ordenamento positivo então vigente, a irradiação de novo e superveniente efeito limitador do direito fundamental de participação política, importaria em ofensa à cláusula inscrita no art. 5º, XXXV, da CF. Reconhecia que esta teria por finalidade impedir formulações casuísticas ad personam ou ad hoc de leis, considerados fatos pretéritos conhecidos do legislador. Por sua vez, o último manifestava que a extensão de efeitos restritivos para atos jurídicos stricto sensu cometidos no passado trataria os sujeitos desses atos como absolutamente incapazes, ao abstrair a vontade na sua prática e a esta atribuir um efeito jurídico. Além disso, transformar-se-ia a lei em ato estatal de caráter pessoal, de privação de bem jurídico de pessoas determinadas, a caracterizar confisco de cidadania.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Lei da “Ficha Limpa” e hipóteses de inelegibilidade - 23

Ao cabo, no que concerne à ação direta, repeliu-se a alegação de inconstitucionalidade da alínea m, ao fundamento de que, em suma, a condenação por infração ético-profissional demonstraria a inaptidão para interferência em gestão da coisa pública. Vencidos os Ministros Dias Toffoli, Celso de Mello e Presidente, que julgavam o pedido parcialmente procedente pelas razões já referidas. Vencido, integralmente, o Min. Gilmar Mendes, que declarava a pretensão procedente, na íntegra, pois a permissão concedida atentaria contra o direito, pela insegurança jurídica que geraria, ao conferir a decisão disciplinar de órgão de controle profissional eficácia de restrição a direitos políticos.
ADC 29/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-29)
ADC 30/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADC-30)
ADI 4578/DF, rel. Min. Luiz Fux, 15 e 16.2.2012. (ADI-4578)

Estatuto de Defesa do Torcedor - 1

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Partido Progressista - PP, contra o inciso I do art. 8º; o § 5º, I e II, do art. 9º; o § 4º do art. 10; as expressões “em até vinte e quatro horas contadas do término da partida”, contida no caput, e “em até vinte e quatro horas após o seu término”, inserta no § 1º, bem assim os §§ 2º a 6º do art. 11; o art. 12; o art. 19; o parágrafo único do art. 30; o caput e os §§ 1º e 2º do art. 32; os incisos II e III do parágrafo único do art. 33; os incisos I e II, o § 1º, II, e o § 3º do art. 37, todos da Lei 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. De início, esclareceu-se que o objeto da ação não estaria prejudicado, porquanto as diversas modificações introduzidas no diploma especificado pela Lei 12.299/2010 em nada atingiriam o teor e o alcance dos dispositivos em tela.
ADI 2937/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2012. (ADI-2937) Audio

Estatuto de Defesa do Torcedor - 2

No tocante ao argumento de que a União extravasara sua competência legislativa, asseverou-se que o Estatuto do Torcedor não deixaria de ser um conjunto ordenado de normas de caráter geral. Enfatizou-se que nele não se trataria de peculiaridades locais, de especificidades ou singularidades estaduais ou distritais, tampouco se cuidaria de particularidades ou minudências que pudessem estar reservadas à dita competência estadual concorrente não cumulativa ou suplementar do art. 24, § 2º, da CF. Complementou-se que a União teria exercido a competência estatuída no inciso IX do art. 24 sem dela desbordar, em se adstringindo a regular genericamente a matéria. Ressaltou-se ser evidente que os preceitos expedidos não poderiam reduzir-se, exclusivamente, a princípios gerais, sob pena de completa inocuidade prática. Avaliou-se que não se despiram, em nenhum aspecto, de sua vocação genérica, nem correram o risco de se transformar em simples recomendações. Introduziriam diretrizes, orientações e, até, regras de procedimentos, todas de cunho geral, diante da impossibilidade de se estruturar, normativamente, o subsistema jurídico-desportivo apenas com apoio em princípios. Explicitou-se que a lei em comento guardaria, em certas passagens, índole metanormativa, porque, ao visar à proteção do espectador, ditaria regras sobre a produção de regulamentos. Assinalou-se que nenhum intérprete racional poderia ter convicção sincera de que uma legislação federal, sobre competições esportivas, pautada pelo uso de substantivos abstratos pudesse atingir um mínimo de efetividade social, sem prever determinados aspectos procedimentais imanentes às relações da vida que constituíssem a experiência objeto da normação. No ponto, salientou-se que, ainda nos dispositivos mais pormenorizados — como o art. 11, sobre súmulas e relatórios das partidas —, existiria clara preocupação com o resguardo e o cumprimento de objetivos maiores do Estatuto, à luz do nexo de instrumentalidade entre regras e princípios. Além disso, o fato de aplicar-se à generalidade dos destinatários seria providência fundamental nas competições de caráter nacional, que não poderiam estar relegadas ao alvedrio de leis estaduais fortuitas, esparsas, disformes e assistemáticas. Após acentuar-se que a Lei 10.671/2003 destinar-se-ia a reger ações tão somente no plano do desporto profissional, inferiu-se que a própria Constituição imporia essa distinção (“Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: ... III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional”). Assim, assentou-se que o discrímen na regulação seria mais que legítimo, sem que as regras deixassem de estar, nesse âmbito de incidência, revestidas de generalidade.
ADI 2937/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2012. (ADI-2937)

Estatuto de Defesa do Torcedor - 3

No que tange à autonomia das entidades desportivas, ao direito de livre associação e à não intervenção estatal, rememorou-se o entendimento da Corte segundo o qual nenhum direito, garantia ou prerrogativa ostentaria caráter absoluto. Em seguida, afirmou-se que a disposição sobre a autonomia das associações não teria caráter absoluto em nenhuma circunstância. Verificou-se que se deveria conceber o esporte como direito individual, não se afigurando viável interpretar o caput do art. 217 da CF — que consagra textualmente o direito de cada um ao esporte — à margem e com abstração de seu inciso I, onde constaria a autonomia das entidades desportivas. Sublinhou-se que, na medida em que definido e compreendido como objeto de direito do cidadão, o esporte emergiria, com nitidez, na condição de bem jurídico protegido pelo ordenamento, que se sujeitaria àquele primado do direito individual ao esporte. Dessumiu-se que seria imprescindível ter-se em conta, na análise das cláusulas impugnadas, a legitimidade da imposição de limitações à autonomia desportiva como exigência do prestígio e garantia do direito ao desporto, constitucionalmente reconhecido. Registrou-se que o diploma adversado homenagearia, entre outras coisas, o direito do cidadão à vida, à integridade e à incolumidade física e moral, inerentes à dignidade da pessoa humana, à defesa de sua condição de consumidor, ao lazer e à segurança. Clarificou-se que os preceitos contestados teriam por objetivo evitar ou pelo menos reduzir, em frequência e intensidade, episódios e incidentes como brigas em estádios, violência, morte e barbárie entre torcidas. Situação que, decerto, seria mais caótica e preocupante se o diploma não estivesse em vigor. No que concerne ao alegado desrespeito a direitos e a garantias individuais, anotou-se que não se vislumbraria sequer vestígio de ofensa aos incisos X (intimidade, honra, imagem dos dirigentes), LIV (devido processo legal), LV (contraditório e ampla defesa), LVII (proibição de prévia consideração de culpabilidade) e § 2º do art. 5º da CF. No tocante ao devido processo legal, evidenciou-se, também, que estaria textualmente invocado no art. 37, caput, do Estatuto.
ADI 2937/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2012. (ADI-2937)

Estatuto de Defesa do Torcedor - 4

Ato contínuo, relativamente à responsabilização objetiva, prevista em seu art. 19, apontou-se que decorreria da expressa equiparação das entidades desportivas, consoante o art. 3º da mesma lei, à figura do fornecedor do CDC. A equiparação não seria apenas obra dela, mas conclusão necessária da relação jurídica que enlaçaria os eventos desportivos profissionais e os torcedores. Consignou-se que não haveria falar, igualmente, em indevida imposição de sanção dupla, desproporcional ou irrazoável, haja vista que as penalidades do art. 37 seriam textualmente aplicáveis a hipóteses diversas, à vista da gravidade das condutas, segundo consideração do legislador. O inciso I do art. 37 preveria destituição por violação das regras dos Capítulos II (transparência na organização), IV (segurança do torcedor) e V (ingressos), enquanto o inciso II diria respeito aos demais dispositivos do diploma que pudessem ser violados. Por sua vez, o afastamento prévio e compulsório dos dirigentes e de outras pessoas que, de forma direta ou indireta, pudessem comprometer ou prejudicar a completa elucidação dos fatos, encontraria sua ratio iuris na necessidade de assegurar resultado útil ao processo de investigação e somente determinado pelo órgão competente, donde não constituiria sanção, mas autêntica medida cautelar que, compatível com a Constituição, seria regulada em várias áreas do direito. Aduziu-se não haver, nesse instituto, contrariedade alguma à chamada presunção constitucional de inocência, da mesma maneira que as hipóteses de prisão cautelar não ofenderiam esse princípio. Mensurou-se que, conforme advertira a AGU, ao indicar punições por desrespeito às normas de direito público, inafastáveis por interesses particulares, os preceitos guardariam plena e equilibrada relação de causa e efeito, mediante apuração em devido processo legal, perante juiz de direito. Do ponto de vista extrajurídico, observou-se que a legislação, além de tutelar diretamente o torcedor, favoreceria indiretamente — mesmo porque não estabeleceria normas tendentes a alterar o funcionamento e a organização administrativa das entidades — o aperfeiçoamento das instituições, ao incentivar-lhes a profissionalização e a busca da eficiência na gestão esportiva, com benefício a toda a sociedade. Por fim, elucidou-se que o art. 8º, I, do estatuto, garantiria às entidades de prática desportiva a participação em competições durante pelo menos dez meses do ano, sem obrigá-las. Não haveria nisso ofensa ao texto constitucional.
ADI 2937/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2012. (ADI-2937)

Estatuto de Defesa do Torcedor - 5

Ao seu turno, o Min. Luiz Fux manifestou haver numerosos instrumentos de defesa dos dirigentes. Além disso, os dispositivos de forma alguma teriam interferência na vida interna corporis das entidades associativas e das agremiações e, mutatis mutandis, a lei seria um código de defesa do torcedor. O Min. Ayres Britto versou que as práticas desportivas colocar-se-iam numa linha de intersecção com a economia, a cultura brasileira, o exercício de profissões e a defesa do consumidor, sendo a totalidade destes de lastro constitucional. O Min. Gilmar Mendes enfocou que a Constituição, ao tratar do desporto, estabeleceria visivelmente um dever geral de proteção. Acrescentou que seria um setor que, realmente, chamaria atenção por suas singularidades. Expôs ser a área do desporto, e sua autonomia, seara em que a autopoiése realizar-se-ia de maneira muito forte e citou como exemplo o poder da FIFA, que conseguiria conglomerar número elevado de países, fixaria regras mais ou menos uniformes e teria grande poder coativo. O Min. Celso de Mello aludiu à posição de absoluta vulnerabilidade do torcedor. No particular, expressou que, na verdade, a função da regra de direito, que consagraria a responsabilidade civil, solidária e objetiva, teria muito mais o propósito de inibir os abusos que se registrassem e de impor um comportamento adequado, a que se deveria ajustar a conduta de cada um dos dirigentes desportivos. Certificou que a previsão de sanções não incorreria na regra que veda o bis in idem, visto que seriam distintas as esferas de responsabilidade. Alfim, indicou que o princípio constitucional da liberdade de associação não inibiria o poder de conformação legislativa do Estado e não conferiria às associações, inclusive as desportivas, a prerrogativa de agirem à revelia das regras e princípios jurídicos gravados nas leis e, notadamente, na Constituição. Precedente citado: ADI 3045/DF (DJe de 1º.6.2007).
ADI 2937/DF, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2012. (ADI-2937)

ICMS: operação interestadual e comércio eletrônico - 1

O Plenário referendou medida cautelar concedida pelo Min. Joaquim Barbosa em ação direta de inconstitucionalidade, da qual relator, para suspender a aplicação da Lei 9.582/2011, do Estado da Paraíba. A norma questionada cuida da exigência de parcela do ICMS, nas operações interestaduais que destinem mercadorias ou bens a consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial, e dá outras providências. Explicou-se que, em síntese, o diploma legal impugnado outorgaria à mencionada unidade estatal competência para cobrar ICMS nas operações interestaduais em que o destinatário estivesse localizado em seu território, independentemente de se tratar de consumidor final — contribuinte do tributo — ou mero intermediário. Na sequência, destacou-se que essa legislação seguiria modelo aprovado no Protocolo ICMS 21/2011, do Confaz, adotado por alguns Estados-membros da Federação e pelo DF, com o objetivo de neutralizar a alegada injustiça do modelo de tributação estabelecido pela Constituição. Reputou-se que, aparentemente, este tornar-se-ia injusto à medida que crescesse a intensidade das operações intermediárias por sistema eletrônico de comunicação remota, isto é, o chamado comércio eletrônico. Consignou-se haver, no presente feito, a mesma densa probabilidade de procedência constante da ADI 4565 MC/PI (DJe de 27.6.2011), em razão da simetria entre os quadros fático-jurídicos examinados. Relativamente ao risco à prestação jurisdicional pelo decurso de tempo, anotou-se que essa espécie de legislação retaliatória alastrar-se-ia pela Federação, com base no protocolo especificado. Enfatizou-se que seria impossível alcançar integração nacional sem harmonia tributária e que o modelo, adequado ou não, escolhido pelo constituinte de 1988, para prover essa conformidade e a indispensável segurança jurídica, fixar-se-ia na “regra de origem”. À primeira vista, aduziu-se que o Confaz ou cada um dos Estados-membros singelamente considerados não poderiam substituir a legitimidade democrática da Assembleia Constituinte, nem do constituinte derivado, na determinação dessa regra.
ADI 4705 Referendo-MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.2.2012. (ADI-4705) Audio

ICMS: operação interestadual e comércio eletrônico - 2

Além da segurança jurídica institucional, assinalou-se que a retaliação unilateral prejudicaria o elemento mais fraco da cadeia de tributação, que seria o consumidor. Discorreu-se que, como a pessoa que suportaria a carga econômica do tributo, não teria, em tese, legitimidade para pleitear a restituição, e se costumaria exigir dos vendedores a obtenção de autorização individual dos consumidores para formulação desse pedido, a tendência seria que o recolhimento indevido se tornasse fato consumado de dificílima reversão. Acrescentou-se não haver risco de irreversibilidade dos efeitos da cautelar, porque assegurado ao Estado da Paraíba o direito de lançar — respeitado o devido processo legal — os créditos tributários que entendesse devidos para evitar, por exemplo, a decadência. Por fim, o relator informou que a decisão concentrar-se-ia basicamente na grave questão federativa e que não caberia a Estado-membro dispor sobre a matéria e, muito menos, fazê-lo de forma retaliatória. O Min. Gilmar Mendes acentuou a relevância da matéria tratada a envolver e-commerce, no qual haveria mudança de paradigmas. Situação associada ao problema tecnológico, haja vista que as atividades dessas empresas poderiam concentrar-se em certa unidade federada e, com isso, esvaziar as demais. Vislumbrou que, tendo em conta mudança de quadro fático, ter-se-ia contexto a afetar o próprio equilíbrio federativo. Registrou, por derradeiro, que se deveria buscar algum modelo jurídico para a espécie. Os Ministros Luiz Fux e Ayres Britto sinalizaram, de igual modo, preocupação com o tema.
ADI 4705 Referendo-MC/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 23.2.2012. (ADI-4705)

Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 4

Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, recebeu denúncia oferecida contra senador da República e outro denunciado pela suposta prática dos tipos penais previstos nos artigos 149; 203, §§ 1º e 2º; e 207, §§ 1º e 2º, todos do CP, em concurso formal homogêneo. No caso, a inicial acusatória narra que, a partir de diligência realizada por grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, constatara-se que os denunciados teriam, no período de janeiro e fevereiro de 2004, reduzido aproximadamente 35 trabalhadores a condição análoga à de escravos, inclusive com a presença de menor de idade entre eles, nas dependências de fazenda de propriedade do parlamentar e administrada pelo co-denunciado — v. Informativo 603. Salientou-se que a existência de processo trabalhista não afastaria o juízo de admissibilidade da peça acusatória, considerada a independência entre a instância trabalhista e a penal. Reiterou-se que a investigação fora realizada por grupo que contara com a atuação de auditores fiscais do trabalho, de procurador do Ministério Público do Trabalho, de delegado e de outros agentes do Departamento de Polícia Federal. Observou-se a edição de leis que alteraram a disciplina referente aos crimes relacionados à organização do trabalho e à liberdade pessoal no exercício de atividade laboral, notadamente a Lei 9.777/98 — que ampliara o rol de condutas passíveis de enquadramento em crime de frustração de direito assegurado por lei trabalhista, inclusive com a previsão da prática do truck system (forma de pagamento de salário em mercadorias), que ocorreria no caso, pois haveria armazéns na propriedade para fornecimento de produtos e mercadorias aos trabalhadores mediante desconto dos valores no salário — e a Lei 10.803/2003 — que estendera o rol de condutas amoldadas ao delito de redução a condição análoga à de escravo. Enfatizou-se que os atos descritos atentariam contra o princípio da dignidade humana, sob o prisma do direito à liberdade e ao trabalho digno. O Min. Luiz Fux destacou inexistir responsabilidade penal objetiva, porque os denunciados estariam na posição de garantes do bem jurídico protegido. Assim, firmados os documentos contratuais com os trabalhadores, a responsabilidade sobre eles teria sido assumida pelos réus e seria compreensível na tipificação dos crimes comissivos por omissão.
Inq 2131/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 23.2.2012. (Inq-2131) Audio

Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 5

Entendeu-se possível a coexistência dos crimes dos artigos 149, 203 e 207, todos do CP, sem consunção. Relativamente ao delito de redução a condição análoga à de escravo (CP, art. 149), consignou-se que a aludida fiscalização demonstraria a precária situação de labor a que os trabalhadores estariam submetidos e que cópias de lançamentos contábeis evidenciariam dívidas assumidas por vários deles no armazém mantido no local. Considerou-se que a imputação referente ao crime do art. 207 do CP, na modalidade de recrutamento de trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, não garantindo condições de seu retorno ao local de origem, também encontraria substrato probatório. Assinalou-se que a fraude descrita consistiria em promessas de salários e de outros benefícios por ocasião do contrato. Quanto ao crime descrito no art. 203 do CP, referente a frustração, mediante fraude, de direitos assegurados pela legislação trabalhista, destacou-se a lavratura de autos de infração por parte dos auditores do MTE, em face da ausência de formalização de contrato de trabalho.
Inq 2131/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 23.2.2012. (Inq-2131)

Inquérito e redução a condição análoga à de escravo - 6

Vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Marco Aurélio, que rejeitavam a denúncia; e Cezar Peluso, Presidente, que a recebia parcialmente. O Min. Gilmar Mendes registrava que o relatório apresentado, quando da atuação fiscalizadora no local, não teria apenas noticiado fatos objetivos, mas conteria juízos subjetivos por parte de seus subscritores. Afirmava necessário distinguir o que seria irregular, a exigir corrigendas no âmbito administrativo, e o que mereceria imputação criminal. Nesse sentido, a questão resumir-se-ia na razoabilidade de se convolar em crime os fatos imputados, visto que se imaginar a estrutura de saneamento e habitação exigida para que os trabalhadores não sofressem situações degradantes, nos moldes da denúncia, poderia significar fuga da realidade. Aduzia que as condições de vida das regiões paupérrimas do Brasil repetir-se-iam também no trabalho, de maneira que não seria razoável qualificá-las de criminosas por essa exclusiva razão. Não obstante, reconhecia a necessidade de se combater a miséria, o subemprego e a violação aos direitos trabalhistas e sociais. O Min. Dias Toffoli reforçava inexistir coação para que os trabalhadores permanecessem no local. O Min. Marco Aurélio sublinhava que os tipos penais em questão não admitiriam forma culposa e que não se poderia cogitar de contração de dívidas, dado o exíguo período de prestação de serviços — cerca de um mês. Além disso, asseverava não haver fraude ou violência quando da suposta frustração dos direitos trabalhistas por parte dos denunciados. O Presidente, por seu turno, consignava que o requisito do dolo estaria preenchido, uma vez que existente o domínio da ação ou das ações finais por parte do parlamentar denunciado, pois dono da empresa e conhecedor da situação. Assim, recebia a denúncia apenas quanto ao delito previsto no art. 149, caput, do CP, com relação a dois atos específicos: a sujeição a condições degradantes de trabalho — especialmente as de habitação, iluminação e higiene — e a restrição à locomoção dos trabalhadores em razão de dívida com o empregador, que teria criado, ardilosamente, situação apta a torná-lo credor, por meio de salários irrisórios e de exigência de valores desproporcionais por bens necessários à subsistência.
Inq 2131/DF, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, 23.2.2012. (Inq-2131)


1ª parte Vídeo
2ª parte Vídeo
3ª parte Vídeo
4ª parte Vídeo


PRIMEIRA TURMA


Porte de entorpecente e princípio da insignificância

Ao aplicar o princípio da insignificância, a 1ª Turma concedeu habeas corpus para trancar procedimento penal instaurado contra o réu e invalidar todos os atos processuais, desde a denúncia até a condenação, por ausência de tipicidade material da conduta imputada. No caso, o paciente fora condenado, com fulcro no art. 28, caput, da Lei 11.343/2006, à pena de 3 meses e 15 dias de prestação de serviços à comunidade por portar 0,6 g de maconha. Destacou-se que a incidência do postulado da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exigiria o preenchimento concomitante dos seguintes requisitos: mínima ofensividade da conduta do agente; nenhuma periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e inexpressividade da lesão jurídica provocada. Consignou-se que o sistema jurídico exigiria considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificariam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes fossem essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se expusessem a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. Deste modo, o direito penal não deveria se ocupar de condutas que produzissem resultados cujo desvalor — por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes — não representaria, por isso mesmo, expressivo prejuízo, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
HC 110475/SC, rel. Min. Dias Toffoli, 14.2.2012. (HC-110475)

Militar e tribunal do júri

Compete à justiça comum processar e julgar crime praticado por militar contra militar quando ambos estiverem em momento de folga. Com esse entendimento, a 1ª Turma, por maioria, concedeu habeas corpus para extirpar o decreto condenatório nos autos de ação penal processada perante a justiça castrense. Na espécie, o paciente, que se encontrava de folga, ao sair de uma roda de samba em boate, praticara crimes dolosos contra as vidas de dois civis e um militar. A impetração sustentava que, em relação à vítima militar, o paciente fora julgado e condenado pela justiça militar e pelo tribunal do júri, o que importaria em bis in idem. Assinalou-se, no caso, não ser a qualificação do agente a revelar a competência da justiça castrense e não haver qualquer aspecto a atrair a incidência do art. 9º do CPM quanto à definição de crime militar [“Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: ... II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado; b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil; e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar”]. Ressaltou-se a competência do tribunal do júri para processar e julgar o militar em relação às vítimas civis e militar. Vencido o Min. Dias Toffoli, relator, que, não conhecia o writ, mas — com base no art. 9º, II, a, do CPM e no CC 7017/RJ (DJU de 14.4.94) —, concedia, de ofício, a ordem para, em relação à vítima militar, fixar a competência da justiça castrense, abolida a decisão do tribunal do júri.
HC 110286/RJ, rel. orig. Min. Dias Toffoli, red. p/ o acórdão Min. Marco Aurélio, 14.2.2012. (HC-110286)


SEGUNDA TURMA

Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 1

A 2ª Turma denegou habeas corpus no qual pleiteada a atipicidade da conduta descrita como denunciação caluniosa (CP, art. 339: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”) sob alegação de inexistência dos elementos objetivo e subjetivo do tipo. Na espécie, juiz federal requerera instauração de procedimento investigatório denominado representação criminal — que tramitara perante órgão especial de tribunal regional federal — em face de outro magistrado e de membro do Ministério Público, dando-lhes como incursos nos crimes de prevaricação e abuso de autoridade. Esse procedimento fora arquivado, sem a instauração de processo penal contra os representados. O parquet federal oferecera, então, denúncia contra o paciente, de forma a imputar-lhe a prática dos crimes de denunciação caluniosa e abuso de autoridade, a qual fora recebida e resultara em sua condenação. A defesa arguia ausência de justa causa para a persecução criminal, ante o arquivamento liminar do feito, porquanto hipoteticamente não teria havido a deflagração de investigação administrativa, de inquérito policial ou civil ou de ação judicial. Sustentava, igualmente, que a representação não se amoldaria às elementares da capitulação penal.
HC 106466/SP, rel. Min. Ayres Britto, 14.2.2012. (HC-106466)

Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 2

No tocante ao elemento objetivo do tipo, entendeu-se que a representação criminal subscrita pelo paciente preencheria a finalidade do art. 339 do CP, com a redação da Lei 10.028/2000. Isso porque ela consubstanciaria modalidade de “investigação administrativa”, cujo escopo seria apurar a veracidade das infrações penais atribuídas aos representados. Asseverou-se que a referida medida contivera os seguintes procedimentos: a) o chamamento dos representados, mediante notificação, para o exercício da ampla defesa, diante das imputações então formalizadas; b) o ônus da apresentação de resposta escrita, no prazo legal, acompanhada dos necessários esclarecimentos; c) o encaminhamento de todas as peças informativas ao Ministério Público Federal para pronunciar-se sobre a procedência das acusações; e d) a deliberação de órgão colegiado do tribunal de origem quanto ao mérito do pedido veiculado na representação. Nesse contexto, rechaçou-se a assertiva de que houvera arquivamento liminar.
HC 106466/SP, rel. Min. Ayres Britto, 14.2.2012. (HC-106466)

Denunciação caluniosa contra autoridade detentora de prerrogativa de foro e tipicidade - 3

Com relação ao elemento subjetivo do tipo, rememorou-se jurisprudência desta Corte no sentido de que a configuração do tipo incriminador em causa exigiria dolo direto quanto ao conhecimento, por parte do acusado, da inocência dos representados, de modo que a presença de dolo eventual do agente seria insuficiente. A respeito, extraíram-se dos autos elementos bastantes que comprovariam a consciência da falsidade da imputação realizada. Salientou-se, por fim, que não seria esta a via adequada para renovação de atos próprios de instrução processual a fim de se concluir que o acusado não deteria pleno conhecimento da inocência dos representados. Precedente citado: RHC 85023/TO (DJe de 1º.2.2008).
HC 106466/SP, rel. Min. Ayres Britto, 14.2.2012. (HC-106466)

Impedimento de magistrado e juízo de admissibilidade

As hipóteses de impedimento previstas no art. 252 do CPP constituem rol taxativo. Ao reafirmar essa orientação, a 2ª Turma indeferiu habeas corpus em que se sustentava o impedimento de juiz federal que participara de julgamento de mérito de ação penal originária no órgão especial e, posteriormente, na condição de vice-presidente de tribunal regional federal, negara seguimento a recursos extraordinário e especial interpostos pelo paciente. Reputou-se não haver ilegalidade derivada do juízo de admissibilidade dos aludidos recursos excepcionais realizado pelo mesmo magistrado que presidira a sessão e proferira voto pela condenação do ora paciente, uma vez que teria se limitado a cumprir norma regimental ao verificar os requisitos de admissibilidade dos recursos manejados, o que não se confundiria com a natureza da análise de mérito efetuada no julgamento da ação originária pela Corte regional.
HC 94089/SP, rel. Min. Ayres Britto, 14.2.2012. (HC-94089)

Terras indígenas e conflito de competência - 2

A 2ª Turma retomou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a competência da justiça federal para julgar crime de furto qualificado supostamente praticado por indígena em área reservada. Na espécie, o furto de madeira imputado ao ora recorrido teria sido cometido em ambiente de disputa de terras tidas como tradicionalmente ocupadas por índios — v. Informativo 650. Em voto-vista, o Min. Gilmar Mendes dissentiu do relator para desprover o recurso. Entendeu que o fato denunciado não guardaria relação com a competência constitucional da justiça federal, que se restringiria aos crimes vinculados a disputas sobre direitos indígenas. Asseverou que não se poderia, à míngua de outros elementos fáticos, atribuir o furto à suposta discussão sobre posse e propriedade de terra. Relembrou jurisprudência da Corte segundo a qual a competência seria da justiça comum quando se tratar de crime comum, cometido no interior de reserva indígena e sem qualquer correlação com disputa de terras, ainda que os acusados fossem índios. Concluiu que o vocábulo empregado no art. 109, XI, da CF teria o sentido de questão de litígio, lide, conflito, de forma a compreender somente as causas que envolvessem os direitos dos silvícolas. Após, pediu vista o Min. Ayres Britto.
RE 541737/SC, rel. Min. Joaquim Barbosa, 14.2.2012. (RE-541737)

SessõesOrdináriasExtraordináriasJulgamentos
Pleno15.2.201216 e 23.2.20126
1ª Turma14.2.2012130
2ª Turma14.2.2012111



R E P E R C U S S Ã O  G E R A L

DJe de 13 a 24 de fevereiro de 2012

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 597.315-RJ
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: TRIBUTÁRIO. COOPERATIVAS. SUJEIÇÃO PASSIVA À CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL. PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.
ARTS. 146, III, C E 172, § 2º DA CONSTITUIÇÃO. LC 84, ART. 1º, II.
Tem repercussão geral o debate sobre a compatibilidade da inclusão, na base de cálculo de contribuição destinada ao custeio da seguridade social, dos valores recebidos pelas cooperativas e provenientes não de seus cooperados, mas de terceiros tomadores dos serviços ou adquirentes das mercadorias vendidas.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 627.280-RJ
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS. BACALHAU (PEIXE SECO E SALGADO). TRATAMENTO. ALCANCE DE ACORDO INTERNACIONAL.
GENERAL AGREEMENT ON TRADE AND TARIFFS. DECRETO LEGISLATIVO 30/1994 E DECRETO 301.355/1994.
PROPOSTA PELO RECONHECIMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DA MATÉRIA.
Tem repercussão geral a discussão sobre a incidência do IPI sobre operações com bacalhau (peixe seco e salgado), à luz do GATT, dos princípios da isonomia, da seletividade e da extrafiscalidade e do conceito de industrialização.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 632.783-RO
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA:  TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL. APLICAÇÃO DE METOLOGIA DE CÁLCULO CONHECIDA COMO DIFERENCIAL DE ALÍQUOTA À EMPRESA OPTANTE PELO SIMPLES NACIONAL.
ALEGADAS USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER O TRATAMENTO FAVORECIDO DAS MICRO E DAS PEQUENAS EMPRESAS (ART. 146-A DA CONSTITUIÇÃO) E DA REGRA DA NÃO-CUMULATIVIDADE (ART. 155, § 2º DA CONSTITUIÇÃO).
ENCAMINHAMENTO DE PROPOSTA PELA EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Tem repercussão geral a discussão sobre a cobrança do ICMS de empresa optante pelo SIMPLES NACIONAL, na modalidade de cálculo conhecida como diferencial de alíquota.

REPERCUSSÃO GERAL EM RE N. 660.933-SP
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DESTINADA AO CUSTEIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. COBRANÇA NOS TERMOS DO DL 1.422/1975 E DOS DECRETOS 76.923/1975 E 87.043/1982. CONSTITUCIONALIDADE SEGUNDO AS CARTAS DE 1969 E 1988. PRECEDENTES.
Nos termos da Súmula 732/STF. é constitucional a cobrança da contribuição do salário-educação, seja sob a Carta de 1969, seja sob a Constituição Federal de 1988, e no regime da Lei 9.424/1996.
A cobrança da exação, nos termos do DL 1.422/1975 e dos Decretos 76.923/1975 e 87.043/1982 é compatível com as Constituições de 1969 e 1988. Precedentes.
Repercussão geral da matéria reconhecida e jurisprudência reafirmada, para dar provimento ao recurso extraordinário da União.

Decisões Publicadas: 4



C L I P P I N G  D O  DJ

13 a 24 de fevereiro de 2012


ADI N. 3.138-DF
RELATOR: MIN. CÁRMEN LÚCIA
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 149, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ALTERADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 41/2003).
1. A norma que fixa alíquota mínima (contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos na União) para a contribuição a ser cobrada pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40 da Constituição da República não contraria o pacto federativo ou configura quebra de equilíbrio atuarial.
2. A observância da alíquota mínima fixada na Emenda Constitucional n. 41/2003 não configura quebra da autonomia dos Estados Federados. O art. 201, § 9º, da Constituição da República, ao estabelecer um sistema geral de compensação, há ser interpretado à luz dos princípios da solidariedade e da contributividade, que regem o atual sistema previdenciário brasileiro.
3. Ação julgada improcedente.
*noticiado no Informativo 640

ADI N. 3.279-SC
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 41, caput e § 2º, da Constituição do Estado de Santa Catarina, com a redação das ECs nº 28/2002 e nº 53/2010. Competência legislativa. Caracterização de hipóteses de crime de responsabilidade. Ausência injustificada de secretário de Estado a convocação da Assembléia Legislativa. Não atendimento, pelo governador, secretário de Estado ou titular de fundação, empresa pública ou sociedade de economias mista, a pedido de informações da Assembléia. Cominação de tipificação criminosa. Inadmissibilidade. Violação a competência legislativa exclusiva da União. Inobservância, ademais, dos limites do modelo constitucional federal. Confusão entre agentes políticos e titulares de entidades da administração pública indireta. Ofensa aos arts. 2º, 22, I, 25, 50, caput e § 2º, da CF. Ação julgada procedente, com pronúncia de inconstitucionalidade do art. 83, XI, “b”, da Constituição estadual, por arrastamento. Precedentes. É inconstitucional a norma de Constituição do Estado que, como pena cominada, caracterize como crimes de responsabilidade a ausência injustificada de secretário de Estado a convocação da Assembléia Legislativa, bem como o não atendimento, pelo governador, secretário de estado ou titular de entidade da administração pública indireta, a pedido de informações da mesma Assembléia.
*noticiado no Informativo 648

ADI N. 2.622-RO
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
EMENTAS: 1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Art. 99, caput e §§ 1º e 2º, da Constituição do Estado de Rondônia, com a redação da EC 20/2001. Servidor público. Ministério Público. Eleição do procurador-geral da justiça. Previsão de recondução sem limitação no caput. Inadmissibilidade. Afronta ao art. 128, § 3º, da CR, que autoriza uma só recondução. Interpretação conforme da norma impugnada. Pedido julgado procedente para esse fim. Prejuízo do pedido quanto aos §§ 1º e 2º, revogados pela EC 49/2006. Se norma de constituição estadual, ao prever recondução ao cargo de procurador-geral do Ministério Público, não a limita, deve ser interpretada como permissão para uma única recondução.
2. Art. 100, inc. II, alínea “f”, da mesma Constituição. Membros do Ministério Público. Proibição para ocupar qualquer cargo a título demissível ad nutum. Inadmissibilidade. Impossibilidade de alcançar cargos da administração da própria instituição. Interpretação conforme para esse fim. Ação julgada, em parte, procedente. Precedente. Não pode norma de Constituição estadual proibir nomeação de membro do Ministério Público para cargo de confiança que integre a administração da própria instituição.
*noticiado no Informativo 647

INQ. N. 2.482-MG
REDATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTAR FEDERAL. CRIME DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93). AUDIÇÃO PRÉVIA DO ADMINISTRADOR À PROCURADORIA JURÍDICA, QUE ASSENTOU A INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DOLO. ART. 395, INCISO III, DO CPP. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.
1. A denúncia ostenta como premissa para seu recebimento a conjugação dos artigos 41 e 395 do CPP, porquanto deve conter os requisitos do artigo 41 do CPP e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. Precedentes: INQ 1990/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ de 21/2/2011; Inq 3016/SP, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ de 16/2/2011; Inq 2677/BA, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 21/10/2010; Inq 2646/RN, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 6/5/010.
2. O dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal, não se faz presente quando o acusado da prática do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 (“Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”) atua com fulcro em parecer da Procuradoria Jurídica no sentido da inexigibilidade da licitação.
3. In casu, narra a denúncia que o investigado, na qualidade de Diretor da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, teria solicitado, mediante ofício ao Departamento de Controle e Licitações, a contratação de bandas musicais ante a necessidade de apresentação de grande quantidade de bandas e grupos de shows musicais na época carnavalesca, sendo certo que no Diário Oficial foi publicada a ratificação das conclusões da Procuradoria Jurídica, assentando a inexigibilidade de licitação, o que evidencia a ausência do elemento subjetivo do tipo no caso sub judice, tanto mais porque, na área musical, as obrigações são sempre contraídas intuitu personae, em razão das qualidades pessoais do artista, que é exatamente o que fundamenta os casos de inexigibilidade na Lei de Licitações – Lei nº 8.666/93.
4. Denúncia rejeitada por falta de justa causa – art. 395, III, do Código de Processo Penal.
*noticiado no Informativo 640

INQ N. 2.559-MG
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
INQUÉRITO. DENÚNCIA. ART. 350 DO CÓDIGO ELEITORAL. DENUNCIADO QUE SUBSCREVEU NOVA PRESTAÇÃO DE CONTAS EM SUBSTITUIÇÃO A DOCUMENTO ANTERIORMENTE APRESENTADO PERANTE A JUSTIÇA ELEITORAL, AO INVÉS DE PROVIDENCIAR SUA RETIFICAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO. ATIPICIDADE RECONHECIDA. ERRO DE PROIBIÇÃO IGUALMENTE VERIFICADO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA REJEITADA.
1. Para que ocorra o crime, o sujeito ativo deve estar consciente de que está praticando o falso ideológico, segundo a descrição da norma. O elemento subjetivo está na intenção livre de falsificar, com perfeita noção da reprovabilidade do ato.
2. Interpretou o denunciado a norma proibitiva que concerne diretamente ao fato, tomando seu comportamento como permitido e aprovado pelo Direito, em evidente ocorrência de erro de proibição (CP, art. 21).
3. Denúncia rejeitada.
*noticiado no Informativo 636

HC N. 102.008-RJ
RELATOR: MIN. AYRES BRITTO
EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL MILITAR. CRIME DE DESERÇÃO. REINCORPORAÇÃO AO SERVIÇO MILITAR. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA DESERÇÃO. PRESCRIÇÃO DO PRIMEIRO DELITO. INAPLICABILIDADE DA REGRA DO ART. 132 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. ORDEM CONCEDIDA.
1. É firme a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a prática de novo crime de deserção não interfere no cômputo do delito militar antecedente. À falta de previsão legal, a superveniência de um segundo delito de deserção não é de ser tratada como causa de suspensão ou mesmo de interrupção do lapso prescricional.
2. Ordem concedida, para restabelecer a decisão da 2ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar, que declarou extinta a punibilidade do paciente, pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, nos exatos termos do inciso IV do art. 123, c/c o inciso VI do art. 125, ambos do Código Penal Militar.
*noticiado no Informativo 652

HC N. 103.812-SP
REDATOR PARA O ACÓRDÃO: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: PROCESSUAL MILITAR. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO PRATICADO CONTRA CÔNJUGE POR MOTIVOS ALHEIOS ÀS FUNÇÕES MILITARES, FORA DE SITUAÇÃO DE ATIVIDADE E DE LOCAL SUJEITO À ADMINISTRAÇÃO MILITAR. CRIME MILITAR DESCARACTERIZADO (ART. 9º, II, “A”, DO CPM). COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. ORDEM CONCEDIDA.
1. A competência do Tribunal do Júri para o julgamento dos crimes contra a vida prevalece sobre a da Justiça Militar em se tratando de fato circunscrito ao âmbito privado, sem nexo relevante com as atividades castrenses.
2. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “o fôro militar não é propriamente para os crimes dos militares, sim para os crimes militares; porque, no militar, há também o homem, o cidadão, e os factos delictuosos praticados nesta qualidade caem sob a alçada da (...) comunhão civil; o fôro especial é só para o crime que elle praticar como soldado, ut miles, na phrase do jurisconsulto romano. Affrontaria o princípio da egualdade o arredar-se da justiça ordinária o processo e julgamento de crimes communs para uma jurisdicção especial e de excepção.” (Constituição Federal de 1891, comentários por João Barbalho U. C., ed. Fac-similar, Brasília: Senado Federal – Secretaria de Documentação e Informação, 1992, p. 343, nota ao art. 77)
3. Os militares, assim como as demais pessoas, têm a sua vida privada, familiar e conjugal, regidas pelas normas do Direito Comum (HC nº 58.883/RJ, rel. Min. Soares Muñoz).
4. Essa necessária congruência entre a definição legal do crime militar e as razões da existência da Justiça Militar é o critério básico, implícito na Constituição, a impedir a subtração arbitrária da Justiça comum de delitos que não tenham conexão com a vida castrense (Recurso Extraordinário nº 122.706, rel. Min. Sepúlveda Pertence).
5. In casu, embora a paciente e a vítima fossem militares à época, nenhum deles estava em serviço e o crime não foi praticado em lugar sujeito à administração militar, sendo certo que o móvel do crime foi a falência do casamento entre ambos, bem como o intuito da paciente de substituir pensão alimentícia cessada judicialmente por pensão por morte e de obter indenização do seguro de vida, o que é o suficiente para afastar a incidência do art. 9º, II, “a” do CPM.
6. Parecer do Ministério Público Federal pela concessão da ordem.
7. Habeas corpus concedido para declarar a incompetência da Justiça Militar.

HC N. 107.712-MG
RELATOR: MIN. LUIZ FUX
EMENTA: ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – LEI N. 8.069/90. HABEAS CORPUS. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO CRIME DE FURTO. INTERNAÇÃO COM FUNDAMENTO EM REITERAÇÃO NA PRÁTICA DE ATOS INFRACIONAIS DE NATUREZA GRAVE E NO DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. ADEQUAÇÃO DA MEDIDA.
1. O art. 122 da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente - preceitua que a medida de internação só poderá ser aplicada quando: II - por reiteração no cometimento de outras infrações; e III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
2. In casu, restou evidenciado na sentença que o paciente é contumaz na prática de atos infracionais, além de ter descumprido medidas socioeducativas anteriormente aplicadas, a indicar como adequada a medida de internação, em sintonia com a jurisprudência desta Corte: HC 99.175/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe de 28/05/2010; HC 84.218/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, Primeira Turma, DJe de 18/04/2008; e HC 69.935/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 02.04.1993).
3. O parecer do Subprocurador-Geral da República é elucidativo quanto à improcedência das razões da impetração, verbis: “Conforme se observa, embora o ato infracional em tela (análogo a furto) não possa ser considerado grave, a medida aplicada encontra fundamento no art. 122, II, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê a possibilidade de aplicação da medida socioeducativa de internação por reiteração no cometimento de outras infrações graves. No caso o paciente possui 09 passagens pela Vara da Infância e da Juventude, por atos infracionais análogos aos crimes de furto e uso de substâncias entorpecentes, recebeu 06 remissões e as medidas protetivas matrícula/frequência em instituição de ensino, tratamento para toxicomania e abrigo em entidade, todas descumpridas pelo adolescente. E essa Corte já decidiu pela legalidade da medida de internação ‘na hipótese de descumprimento de medida anteriormente aplicada’” (HC 69.935/RJ, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 02.04.1993).
4. Ordem denegada, em conformidade com a manifestação ministerial.

MS N. 26.294-DF
RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ANULAÇÃO DE NOMEAÇÃO. CONCURSO PÚBLICO PARA OFICIAL DE JUSTIÇA PARA PROVIMENTO DE VAGA NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO ESTADO DO MARANHÃO. NOMEAÇÃO NOS QUADROS DA JUSTIÇA DE 1º GRAU. DIFERENÇA DE QUADROS NO TOCANTE AO TRIBUNAL E A JUSTIÇA DE 1º GRAU. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO EDITAL SOBRE O APROVEITAMENTO DE LISTA DE CANDIDATOS. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE, DA ISONOMIA E DA IMPESSOALIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.
I – Não é possível a nomeação de candidato em quadro diverso do qual foi aprovado, ainda que os cargos tenham a mesma nomenclatura, atribuições iguais, e idêntica remuneração, quando inexiste essa previsão no edital do concurso.
II – A falta de previsão no edital sobre a possibilidade de aproveitamento de candidato aprovado em certame destinado a prover vagas para quadro diverso do que prestou o concurso viola o princípio da publicidade, norteador de todo concurso público, bem como o da impessoalidade e o da isonomia.
III – Segurança denegada.

RE N. 227.114-SP
RELATOR: MIN. JOAQUIM BARBOSA
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE HOMENS E MULHERES. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FORO COMPETENTE. ART. 100, I DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ART. 5º, I E ART. 226, § 5º DA CF/88. RECEPÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
O inciso I do artigo 100 do Código de Processo Civil, com redação dada pela lei 6.515/1977, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.
O foro especial para a mulher nas ações de separação judicial e de conversão da separação judicial em divórcio não ofende o princípio da isonomia entre homens e mulheres ou da igualdade entre os cônjuges.
Recurso extraordinário desprovido.
*noticiado no Informativo 649

RE N. 594.296-MG
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DO PODER DE AUTOTUTELA ESTATAL. REVISÃO DE CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO E DE QUINQUÊNIOS DE SERVIDORA PÚBLICA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA.
1. Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já decorreram efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular processo administrativo.
2. Ordem de revisão de contagem de tempo de serviço, de cancelamento de quinquênios e de devolução de valores tidos por indevidamente recebidos apenas pode ser imposta ao servidor depois de submetida a questão ao devido processo administrativo, em que se mostra de obrigatória observância o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa.
3. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
*noticiado no Informativo 641

EXT N. 1.165-ESPANHA
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Extradição instrutória. 2. Tráfico de entorpecentes e lavagem de dinheiro. 3. Ausência de documentação referente ao delito de lavagem de dinheiro. 4. Requisitos da dupla tipicidade e punibilidade atendidos quanto ao crime de tráfico de entorpecentes. 5. Extraditando que responde a processo penal no Brasil por crime diverso daquele que versa o pedido de extradição. 6. Discricionariedade do Chefe do Poder Executivo para ordenar a extradição ainda que haja processo penal instaurado ou mesmo condenação no Brasil (art. 89, parte final, da Lei 6.815/1980). 7. Pedido de extradição deferido parcialmente.

Acórdãos Publicados: 444



T R A N S C R I Ç Õ E S


Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.


“Habeas Corpus” - Doutrina Brasileira - Cessação (Transcrições)

HC 109327-MC/RJ*

RELATOR: Min. Celso de Mello


EMENTA: PRETENDIDA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO EXAME DE ORDEM (LEI Nº 8.906/94, ART. 8º, IV, E § 1º). INVALIDAÇÃO DA INSCRIÇÃO COMO ESTAGIÁRIO. CONSEQÜENTE OUTORGA, AO IMPETRANTE, DE INSCRIÇÃO, NOS QUADROS DA OAB, COMO ADVOGADO. UTILIZAÇÃO, PARA TAL FINALIDADE, DA AÇÃO DE “HABEAS CORPUS”. INADEQUAÇÃO ABSOLUTA DO MEIO PROCESSUAL UTILIZADO. CESSAÇÃO DA DOUTRINA BRASILEIRA DO “HABEAS CORPUS” (1926). INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO DE “HABEAS CORPUS” COMO SUCEDÂNEO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. “HABEAS CORPUS” NÃO CONHECIDO.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, em que são apontados, como autoridades e órgãos coatores, a “Presidência da República, Ministro da Educação, Presidente do Conselho Nacional da OAB, Presidente da OAB-RJ, Ministro das Comunicações e STF”.
Busca-se, em síntese, nesta sede processual, (a) “que o autor tenha imediatamente restabelecida a condição de ir e vir com seus pertences, hoje apropriados pela Presidência da República (...)”; (b) “que, de imediato, haja o cancelamento da inscrição suplementar, que contém o número de identificação do impetrante junto à OAB/RJ, e que se expeça carteira com o nome do autor (...)”; (c) “que o julgador, por si mesmo ou submetido ao Plenário, declare a inconstitucionalidade da lei que exige prova, para exercer função de advogado” (grifei).
Sendo esse o contexto, passo a examinar a questão pertinente à admissibilidade, na espécie, da presente ação de “habeas corpus”.
Tenho para mim que se revela processualmente inviável a presente impetração, por tratar-se de matéria insuscetível de exame em sede de “habeas corpus”.
Como se sabe, a ação de “habeas corpus” destina-se, unicamente, a amparar a imediata liberdade de locomoção física das pessoas, revelando-se estranha, à sua específica finalidade jurídico-constitucional, qualquer pretensão que vise a desconstituir atos que não se mostrem ofensivos, ainda que potencialmente, ao direito de ir, de vir e de permanecer das pessoas.
É por tal razão que o Supremo Tribunal Federal, atento à destinação constitucional do “habeas corpus”, não tem conhecido do remédio heróico, quando utilizado, como no caso, em situações de que não resulte qualquer possibilidade de ofensa ao “jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque” (RTJ 116/523 – RTJ 141/159).
A ação de “habeas corpus”, portanto, enquanto remédio jurídico-constitucional revestido de finalidade específica, não pode ser utilizada como sucedâneo de outras ações judiciais, notadamente naquelas hipóteses em que o direito-fim (ou direito-escopo, na expressão feliz de PEDRO LESSA) não se identifica - tal como neste caso ocorre - com a própria liberdade de locomoção física.
É que entendimento diverso conduziria, necessariamente, à descaracterização desse instrumento tutelar da liberdade de locomoção. Não se pode desconhecer que, com a cessação da doutrina brasileira do “habeas corpus”, motivada pela Reforma Constitucional de 1926, restaurou-se, em nosso sistema jurídico, a função clássica desse remédio heróico. Por tal razão, não se revela suscetível de conhecimento a ação de “habeas corpus”, quando promovida contra ato estatal de que não resulte, de modo imediato, ofensa, atual ou iminente, à liberdade de locomoção física (RTJ 135/593 – RTJ 136/1226 – RTJ 142/896 – RTJ 152/140- RTJ 178/1231 - RTJ 180/962 – RTJ 197/587-588, v.g.):

“A função clássica do ‘habeas corpus’ restringe-se à estreita tutela da imediata liberdade de locomoção física das pessoas.
- A ação de ‘habeas corpus’ - desde que inexistente qualquer situação de dano efetivo ou de risco potencial ao ‘jus manendi, ambulandi, eundi ultro citroque’ - não se revela cabível, mesmo quando ajuizada para discutir eventual nulidade do processo penal em que proferida decisão condenatória definitivamente executada.
Esse entendimento decorre da circunstância histórica de a Reforma Constitucional de 1926 - que importou na cessação da doutrina brasileira do ‘habeas corpus’ - haver restaurado a função clássica desse extraordinário remédio processual, destinando-o, quanto à sua finalidade, à específica tutela jurisdicional da imediata liberdade de locomoção física das pessoas. Precedentes.”
(RTJ 186/261-262, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Vale insistir, bem por isso, na asserção de que o “habeas corpus”, em sua condição de instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, configura um poderoso meio de cessação do injusto constrangimento ao estado de liberdade de locomoção física das pessoas. Se essa liberdade não se expõe a qualquer tipo de cerceamento, e se o direito de ir, vir ou permanecer sequer se revela ameaçado, nada justifica o emprego do remédio heróico do “habeas corpus”, por não estar em causa a liberdade de locomoção física:

“CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’: CABIMENTO. C.F., art. 5º, LXVIII.
I. – O ‘habeas corpus’ visa a proteger a liberdade de locomoção – liberdade de ir, vir e ficar – por ilegalidade ou abuso de poder, não podendo ser utilizado para proteção de direitos outros. C.F., art. 5º, LXVIII.
II. – H.C. indeferido, liminarmente. Agravo não provido.”
(HC 82.880-AgR/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Pleno - grifei)

Cabe reafirmar, desse modo, que esse remédio constitucional, considerada a sua específica destinação tutelar, tem por finalidade amparar, em sede jurisdicional, “única e diretamente, a liberdade de locomoção. Ele se destina à estreita tutela da imediata liberdade física de ir e vir dos indivíduos (...)” (RTJ 66/396 – RTJ 177/1206-1207 - RT 423/327 – RT 338/99 - RF 213/390 – RF 222/336 – RF 230/280, v.g.), excluída, portanto, a possibilidade de se questionar, no âmbito do processo de “habeas corpus”, como ora pretendido pelo impetrante, a legitimidade constitucional do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), no ponto em que tornou exigível, para efeito de inscrição nos quadros da OAB, a “aprovação em Exame de Ordem” (art. 8º, IV, e § 1º).
Inadmissível, por igual, consideradas as mesmas razões que venho de expor, a utilização do presente “writ” constitucional para, mediante concessão da ordem de “habeas corpus”, invalidar-se a inscrição do ora impetrante como estagiário (Lei nº 8.906/94, art. 9º), a fim de substituí-la por inscrição definitiva como Advogado.
Mesmo que fosse admissível, na espécie, o remédio de “habeas corpus” (e não o é!), ainda assim referida ação constitucional mostrar-se-ia insuscetível de conhecimento, eis que o impetrante sequer indicou a existência de ato concreto que pudesse ofender, de modo direto e imediato, o direito de ir, vir e permanecer do ora paciente.
Como se sabe, a ação de “habeas corpus” exige, para efeito de cognoscibilidade, a indicação - específica e individualizada - de fatos concretos cuja ocorrência possa repercutir na esfera da imediata liberdade de locomoção física dos indivíduos.
O fato irrecusável, desse modo, é que, sem a precisa indicação, pelo autor do “writ”, de atos concretos e específicos, não há como reputar processualmente viável o ajuizamento da ação constitucional de “habeas corpus”.
Esse entendimento é perfilhado por EDUARDO ESPÍNOLA FILHO (“Código de Processo Penal Brasileiro Anotado”, vol. VII/277, item n. 1.372, 2000, Bookseller), em abordagem na qual enfatiza a imprescindibilidade da concreta indicação do ato coator:

“A petição deve, pois, conter todos os requisitos de uma exposição suficientemente clara, com explanação e narração sobre a violência, suas causas, sua ilegalidade. Não se faz mister, porém, que a petição esteja instruída com o conteúdo da ordem pela qual o paciente está preso, porque esta falta não pode prejudicar, e é perfeitamente sanável.
A petição, dando parte da espécie de constrangimento, que o paciente sofre, ou está na iminência de sofrer, deve argumentar no sentido de convencer da ilegalidade da violência, ou coação (...).
É óbvio, há todo interesse, para o requerente, em precisar os fatos, tão pormenorizada, tão circunstancialmente, quanto lhe for possível, pois melhor se orientará a autoridade judiciária, a que é submetida a espécie (...).” (grifei)

Daí a observação feita por ADA PELLEGRINI GRINOVER, ANTONIO MAGALHÃES GOMES FILHO e ANTONIO SCARANCE FERNANDES (“Recursos no Processo Penal”, p. 362, item n. 242, 5ª ed., 2008, RT):

“O Código exige, finalmente, a menção à espécie de constrangimento e, no caso de ameaça, as razões em que se funda o temor, ou seja, a indicação dos fatos que constituem a ‘causa petendi’.” (grifei)

Esse entendimento doutrinário – que repele a utilização do instrumento constitucional do “habeas corpus”, quando ausente, na petição de impetração, menção específica a fatos concretos ensejadores da alegada situação de injusto constrangimento (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.756, item n. 654.7, 11ª ed., 2007, Atlas; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 529, item n. 20.15.10, 14ª ed., 2007, Saraiva; TALES CASTELO BRANCO, “Teoria e Prática dos Recursos Criminais”, p. 158, item n. 156, 2003, Saraiva) – reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, a propósito do tema, assim se tem pronunciado:

“‘HABEAS CORPUS’ – IMPETRAÇÃO QUE NÃO INDICA QUALQUER COMPORTAMENTO CONCRETO ATRIBUÍDO À AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA – PEDIDO NÃO CONHECIDO.
Torna-se insuscetível de conhecimento o ‘habeas corpus’ em cujo âmbito o impetrante não indique qualquer ato concreto que revele, por parte da autoridade apontada como coatora, a prática de comportamento abusivo ou de conduta revestida de ilicitude.”
(RTJ 159/894, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

“Não há como admitir o processamento da ação de habeas corpus, se o impetrante deixa de atribuir à autoridade apontada como coatora a prática de ato concreto que evidencie a ocorrência de um específico comportamento abusivo ou revestido de ilegalidade.”
(RTJ 164/193-194, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)

É por tal motivo que a ausência de precisa indicação de atos concretos e específicos inviabiliza, processualmente, o conhecimento da ação constitucional de “habeas corpus”, como tem advertido o Plenário desta Suprema Corte (HC 83.966-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Vê-se, portanto, que a pretensão deduzida nesta sede processual claramente evidencia que o ora impetrante, na realidade, pretende questionar “in abstracto” - sem qualquer referência concreta pertinente a uma situação específica - a própria constitucionalidade de “Lei que exige prova, para exercer função de advogado”.
Cabe ter presente, bem por isso, na perspectiva do caso ora em exame, que o remédio de “habeas corpus” não pode ser utilizado como (inadmissível) sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, eis que o ora impetrante não dispõe, para efeito de ativação da jurisdição constitucional concentrada do Supremo Tribunal Federal, da necessária legitimidade ativa “ad causam” para o processo de controle normativo abstrato:

“1. ‘HABEAS CORPUS’. Declaração de inconstitucionalidade de normas estaduais. Caráter principal da pretensão. Inadmissibilidade. Remédio que não se presta a controle abstrato de constitucionalidade. Pedido não conhecido. Ação de ‘habeas corpus’ não se presta a controle abstrato de constitucionalidade de lei (...).”
(HC 81.489/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – Segunda Turma - grifei)

Registro, finalmente, por relevante, que Juízes do Supremo Tribunal Federal, em contexto semelhante ao que emerge deste processo, não têm conhecido de ações de “habeas corpus”, considerado o fundamento de que o remédio heróico não pode ser utilizado como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade (HC 74.991/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 95.921/RN, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA – HC 96.238/DF, Rel. Min. MENEZES DIREITO – HC 96.301/SP, Rel. Min. ELLEN GRACIE – HC 96.425/SP, Rel. Min. EROS GRAU – HC 96.748/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 97.763/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 103.998/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES, v.g.).
Sendo assim, e em face das razões expostas, não conheço da presente ação de “habeas corpus”, restando prejudicado, em conseqüência, o exame do pedido de medida liminar.
Arquivem-se os presentes autos.
Publique-se.
Brasília, 04 de agosto de 2011.

Ministro CELSO DE MELLO
Relator

* decisão publicada no DJe de 8.8.2011

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