segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Prescrição e Ação Coletiva para a Tutela de Direitos Individuais Homogêneos – O Julgamento do REsp 1.070.896/SC pelo STJ

Fredie Didier Jr.
Conselheiro Editorial da Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil; Mestre e Doutor em Direito; Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa.

Hermes Zaneti Jr.Mestre e Doutor em Direito; Pós-Doutor em Direito pela Università degli Studi di Torino.

A tutela de direitos individuais homogêneos é, como se viu, uma ficção legislativa, criada com o objetivo e proteger um grupo de direitos individuais oriundos de uma situação comum. 
Reputa-se existente um grupo de vítimas, que seria titular de um direito à fixação da tese jurídica aplicável a todos os indivíduos membros do grupo, causa de pedir próxima da ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos.
Essa ligação entre o direito coletivo criado por ficção e os inúmeros direitos individuais, que dizem respeito à tese comum, em razão da origem, faz com o que o estudo da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos seja, entre todos os temas da tutela jurisdicional coletiva, o mais polêmico.
A prescrição da pretensão coletiva relacionada aos direitos individuais homogêneos é um desses temas controversos.
A análise deste tema será feita em adminículos.
a) A tutela condenatória dos direitos individuais homogêneos é sempre repressiva. Assim, pressupõe ter havido lesão comum a diversos direitos individuais ligados por circunstâncias de origem. Exatamente por conta disso, é possível cogitar de prescrição das pretensões individuais, cujo prazo começa a correr da respectiva lesão (art. 189 do Código Civil).
b) A ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos visa à obtenção de uma decisão judicial, que sirva de título executivo para a execução preferencialmente individual, a ser proposta pela vítima ou por um legitimado extraordinário para tutela de direitos individuais já certificados previamente em liquidação. É possível, ainda, que haja uma execução coletiva dessa sentença, que será residual, nos casos da fluid recovery (art. 100, CDC).
c) O prazo prescricional para a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos será o prazo prescricional das respectivas pretensões individuais. Não há qualquer razão para que haja prazos diversos, um para a ação coletiva e outro para a ação individual. Assim, se se trata de pretensões individuais ressarcitórias que prescrevem em três anos, três anos será o prazo para ajuizamento da respectiva ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos. É relevante notar que este prazo é vinculado ao direito material tutelado, não existe no ordenamento brasileiro, em princípio, nenhum prazo prescricional puramente processual.
Não foi isso o que entendeu o STJ, no REsp 1.070.896/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 14.04.10, acórdão publicado em 04.08.10, que, buscando socorro no microssistema da tutela coletiva, aplicou por analogia o prazo quinquenal da ação popular para o ajuizamento de ação coletiva para a tutela dos direitos individuais homogêneos, nada obstante o prazo prescricional das pretensões individuais ser vintenário. Assim, produziu o STJ uma decisão absurda e, por isso, lamentável: ao impedir a tutela coletiva, estimulou o prosseguimento (de demandas eventualmente suspensas em razão da pendência da ação coletiva) ou a propositura de processos individuais, pois as pretensões individuais, no caso, não estão prescritas. A solução, embora envernizada pelo apelo ao microssistema, além de ruim tecnicamente (o prazo da ação popular não fora pensado para ações ressarcitórias), é, do ponto de vista da administração do judiciário, muito ruim. E pode ser ainda pior: como os expurgos inflacionários de que tratam as demandas são referentes a 1987 e 1989, salvo se reconhecida a interrupção das prescrições individuais pelo ajuizamento das ações coletivas, como se verá abaixo, em 2010 também estarão prescritas aquelas pretensões individuais.
d) O ajuizamento de uma ação coletiva para a tutela de direitos individuais homogêneos interrompe a prescrição das pretensões individuais. O prazo prescricional recomeça a correr, após o trânsito em julgado da decisão coletiva. Isto ocorre mesmo que tenha sido reconhecida a prescrição quinquenal no processo coletivo, consoante a equivocada orientação do STJ examinada linhas atrás.
Essa observação é importante, pois poderá o réu alegar, em liquidação ou execução individual da sentença coletiva, a prescrição intercorrente do crédito individual.
e) Pode acontecer, ainda, que, nada obstante se tenha ultrapassado o prazo prescricional para o ajuizamento de ação coletiva relativa a direitos individuais homogêneos (repita-se: o mesmo prazo para as pretensões individuais), ainda remanesçam eficazes algumas pretensões individuais, beneficiadas por hipóteses de impedimento, suspensão ou interrupção do prazo prescricional. Embora prescrita a possibilidade da tutela coletiva, será possível a tutela individual dessas pretensões individuais remanescentes.
A observação é importante. É possível que algumas pretensões individuais não prescrevam dentro do prazo prescricional inicialmente previsto, contado a partir da lesão, tendo em vista fatos que impeçam, suspendam ou interrompam o seu curso. Assim, poder-se-ia defender que, como em tese é possível que ainda existam pretensões individuais, a tutela coletiva deveria ser imprescritível.
É preciso equilibrar a proteção coletiva com a proteção do réu. O processo coletivo impõe ao réu uma série de regras que enfraquecem a sua situação processual, comparativamente ao processo individual: a) não haverá condenação, em regra, do legitimado ativo ao pagamento das verbas de sucumbência; b) a coisa julgada é secundum eventum probationis e secundum eventus litis; c) a apelação não tem efeito suspensivo legal; d) permite-se a fluid recovery etc.
Todo esse modelo diferenciado de processo jurisdicional justifica-se como forma de tutelar um grupo composto por um considerável número de vítimas. É lícito afirmar que, após o transcurso do prazo prescricional, o número de vítimas que ainda podem exercer as suas pretensões individuais cai consideravelmente. As pretensões individuais remanescentes podem ser consideradas como verdadeiras pretensões sobreviventes; excepcionais, portanto. A tutela coletiva perde a sua justificativa, embora a tutela individual seja possível.


Informações bibliográficas:
DIDIER Jr. Fredie; ZANETI Jr. Hermes. Prescrição e Ação Coletiva para a Tutela de Direitos Individuais Homogêneos – O Julgamento do REsp 1.070.896/SC pelo STJ. Editora Magister -
Porto Alegre - RS. Publicado em: 23 nov. 2010. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=871>. Acesso em: 26 nov. 2010.

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