segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Princípios Internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário

Gabriela Neves Delgado
Advogada; Professora Adjunta de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho dos Programas de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG.
 
RESUMO: Nas ciências jurídicas os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. O Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário têm como princípio matriz o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico. O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do Trabalho. Direito Previdenciário. Princípios Internacionais. Direitos Humanos.
1 Introdução
A palavra "princípio" traduz, na Língua Portuguesa, a ideia de "origem, começo, causa primária, base ou germe" 1.
Para Antônio Houaiss significa, ainda, "proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos" e, nesta dimensão, "proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia o raciocínio" 2.
Nas ciências, a palavra "princípio" é apreendida com sentido similar. Ou seja, os princípios são compreendidos como proposições ideais construídas a partir de dada realidade e direcionadas à compreensão da realidade examinada 3. São, portanto, proposições básicas e fundamentais de um sistema, que lhe garantem validade e legitimidade 4.
Nas ciências jurídicas, os princípios se destacam por contribuir para a compreensão global e integrada de qualquer universo normativo. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a eles se reportam, informando-o 5.
No Direito, os princípios cumprem funções diferenciadas.
Na fase pré-jurídica ou política, os princípios despontam como proposições fundamentais que influenciam, enquanto veios iluminadores, à elaboração de regras e institutos jurídicos. Nesse momento, os princípios atuam como verdadeiras fontes materiais do Direito, na medida em que se apresentam como fatores de influência na produção da ordem jurídica 6.
Na fase jurídica, os princípios desempenham funções diferenciadas, a seguir destacadas.
Revelam-se como princípios informativos ou descritivos quando auxiliam no processo de interpretação, contribuindo para a compreensão de regras e institutos jurídicos 7. Podem também cumprir o papel de fonte supletiva ou subsidiária do Direito, no caso da falta de regra jurídica própria utilizada pelo intérprete e aplicador do Direito em face de um caso concreto art. 8º, CLT; art. 4º, LICC, e art. 126, CPC 8.
Além das duas funções tradicionais destacadas, a doutrina contemporânea também identifica a função normativa própria dos princípios, reconhecendo-os por sua natureza de norma jurídica efetiva, e não de simples enunciado meramente programático, não vinculante 9. Essa é uma das razões, inclusive, para a qualificação dos princípios como "normas-chave" 10 ou "super-fonte" 11 do sistema jurídico, "verdadeiros mandamentos de otimização" 12 da ordem jurídica.
Nessa linha de reflexão, sobretudo a partir do destaque dado à função contemporânea dos princípios, é que se passou a concluir que as normas jurídicas revelam em si caráter duplo, ou seja, exteriorizam-se ao mesmo tempo como regras e princípios 13.
2 Princípios de Direitos Humanos
A formulação teórica sobre os Direitos Humanos é tarefa vasta e complexa, que exige do intérprete a sistematização de seus principais aspectos e prismas a partir de perspectivas diferenciadas de ordem filosófica, internacional e constitucional. O que importa, em verdade, é que tais perspectivas se ordenem a partir de um centro comum, que é a concepção de dignidade da pessoa humana, valor-fonte na contemporaneidade do Direito 14.
A existência dos Direitos Humanos foi justificada, originariamente, pelo jusnaturalismo, corrente do pensamento filosófico que considerava os homens dotados de direitos naturais anteriores à formação da sociedade, direitos que lhes pertenciam, pura e simplesmente, pelo fato de serem humanos. Foi com o contratualismo, todavia, que despontou a exigência de reconhecimento e garantia dos direitos do homem pelo Estado, a fim de que se tornassem juridicamente exigíveis 15.
Atualmente, predomina concepção voltada para a historicidade dos Direitos Humanos. Nessa perspectiva, os Direitos Humanos apresentam-se, no curso histórico, a partir de três momentos distintos do fenômeno jurídico: o da conscientização da existência de direitos naturais, evidentes à razão; o da positivação de direitos; e, finalmente, o da efetivação de direitos, eis que reconhecidos e concretizados no plano social 16.
Quanto à identificação dos Direitos Humanos, foram eles tradicionalmente classificados em gerações de direitos, conforme o momento histórico em que surgiram 17.
Há que se ressaltar, por oportuno, o fortalecimento, na doutrina, do uso da expressão "dimensão de direitos" em contraponto à clássica "geração de direitos", na tentativa de se evitar a compreensão de que os direitos encontram-se, no curso histórico, num processo de necessária alternância 18.
No curso do Estado Liberal de Direito desenvolveram-se os direitos de primeira dimensão ou direitos da liberdade civis e políticos , que valorizam o homem enquanto indivíduo singular, livre e independente do Estado 19.
Os direitos civis, conquistados no século XVIII, fundamentam a concepção liberal clássica de direitos. Os políticos, oriundos do século XIX, referem-se à liberdade de associação e participação política, eleitoral ou sindical 20.
Durante o Estado Social de Direito predominaram os direitos de segunda dimensão ou direitos da igualdade sociais, culturais e econômicos , que valorizam o homem enquanto indivíduo pertencente a uma coletividade institucionalizada por um poder estatal de intervenção 21.
Em meados do século XX, com o Estado Democrático de Direito, exaltam-se os direitos de terceira dimensão ou direitos de fraternidade e solidariedade, eminentemente difusos 22.
Há que se ressaltar que os Direitos Humanos não se revelam de forma estanque na marcha histórica. Por essa razão, inclusive, é que são identificados a partir de seu caráter indivisível, interdependente e inter-relacionado princípio da indivisibilidade dos direitos humanos. Ou seja, há uma interseção permanente do "catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais" 23.
Os princípios de Direitos Humanos, enquanto postulados básicos dos sistemas jurídicos contemporâneos ocidentais, irradiam-se por todos eles, informando-os. Seu valor-fonte é a dignidade do ser humano, pressuposto indispensável para a sua construção normativa.
A dignidade é, pois, valor de referência do pensamento jurídico e político moderno 24, apresentando-se no gênero humano sem fronteiras.
A compreensão de que o ser humano é o centro convergente dos Direitos Humanos é fundamento indispensável para a construção do arcabouço principiológico da Ciência do Direito, ainda mais quando se trata de direitos sociais, como é o caso do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário.
Veja que o Direito do Trabalho e o Direito Previdenciário, respeitadas suas particularidades, têm como princípio matriz, considerada a ordem internacional e a legislação pátria, o princípio da proteção. No Direito Previdenciário, o princípio da solidariedade social também é seu postulado básico.
O princípio da proteção, à luz do Direito do Trabalho, informa a necessidade desse ramo jurídico estruturar, através de seu complexo normativo, uma teia de proteção à parte hipossuficiente da relação de emprego o empregado e, por determinação constitucional, o trabalhador avulso , de modo a atenuar, no plano jurídico, o desequilíbrio fático inerente às partes contratantes, além de promover melhores condições de pactuação da força de trabalho 25.
O princípio da proteção, para o Direito Previdenciário, ressalta o direito de todo trabalhador de ser protegido pelo Estado em face de determinada contingência o designado "risco social" , sob pena de perecimento. Destaca, ainda, o dever do Estado de suportar tais contingências, quando houver eventos impeditivos da aquisição de meios habituais de subsistência pelo próprio trabalhador 26.
Evidentemente que no plano do Direito Previdenciário a tutela se estende por além da pessoa do trabalhador, atingindo também sua família, além de abranger outros segurados que não se enquadrem na posição efetiva de trabalhador ilustrativamente, profissionais liberais, empresários, entre outros.
O princípio da solidariedade social conclama pela necessidade de contribuição coparticipada da sociedade para o sustento de seus cidadãos. Corresponde, portanto, à universalização da técnica de proteção social.
Para Wladimir Novaes Martinez, a solidariedade ou solidarismo é "instituição humana profunda e permeia toda a organização social". Eleita como um dos objetivos permanentes da sociedade brasileira, adota como estratégia de proteção "a obrigatoriedade de pessoas com maior capacidade contributiva aportarem recursos a favor de si e de outros seres humanos sem essa força de contribuição" 27. Ou seja, as pessoas mais abastadas contribuem com parcela maior em relação aos mais empobrecidos 28. Nas palavras de Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão, "os que possuem rendimentos mais baixos se beneficiam da participação financeira dos que têm maior capacidade econômica" 29.
3 A Tutela dos Direitos Humanos
Quanto à tutela dos Direitos Humanos, três grandes eixos jurídicos de proteção, necessariamente complementares e interdependentes, se apresentam. São eles: eixo global, regional e nacional.
O primeiro eixo jurídico de proteção, de amplitude universal, refere-se aos direitos estabelecidos na ordem internacional tratados e convenções, por exemplo que refletem um patamar civilizatório universal de direitos compartilhados pelos Estados.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, integram a Carta Mundial dos Direitos Humanos.
Para Arnaldo Süssekind, tais diplomas revelam-se como direitos comuns da humanidade, dado seu grau de importância e universalismo comprovado 30.
O segundo eixo jurídico de proteção é composto pelos sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos, com destaque para os da Europa, América e África. Há também um sistema árabe e a "proposta de criação de um sistema regional asiático" 31.
Finalmente, o terceiro eixo jurídico de proteção é o nacional, cuja representação se dá especialmente pela previsão dos direitos fundamentais nas constituições, como é o caso brasileiro com a CF/88, marco jurídico da institucionalização dos Direitos Humanos no país. Como os diversos eixos jurídicos de proteção devem interagir em benefício dos indivíduos protegidos e o que importa é o grau de eficácia dessa proteção , deve-se aplicar, em cada caso concreto, "a norma que ofereça melhor proteção à vítima" 32, adotando-se o valor da dignidade da pessoa humana como referência maior para o seu cotejo. No caso do Direito do Trabalho, a norma mais favorável ao trabalhador será identificada pela teoria do conglobamento 33.
É, porém, pela vedação a qualquer medida de retrocesso social que os Direitos Humanos demonstram seu caráter progressivo decisivo princípio da vedação do retrocesso social 34.
O princípio da progressividade, em específico, pode ser analisado por meio das perspectivas estática e dinâmica. A perspectiva estática destaca a existência de um núcleo duro de direitos que deve ser efetivado independentemente das condições econômicas e culturais de cada país ou do processo de ratificação dos diplomas internacionais caso os estados-membros adotem formalmente o processo de ratificação. É a hipótese, por exemplo, da Declaração da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho, em sua 86ª sessão, em Genebra, a qual independe de ratificação pelos estados-membros para ser efetivada, considerado o destaque do patamar civilizatório de direitos que apresenta 35.
Quanto à perspectiva dinâmica, o princípio da progressividade exige que as normas internacionais aperfeiçoem a legislação nacional, não sendo adotadas, em hipótese alguma, para diminuir o padrão de proteção já firmado.
Resta comprovado o sentido bidirecional de referido princípio: determinar e estimular a progressão social, além de vedar medidas de retrocesso 36.
Por todas as razões expostas é que há de se ressaltar que os eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos revelam em seu conteúdo um prisma ético, já que exaltam o homem em sua condição valorosa e superior de ser humano, o que significa, em outra medida, o direito de viver em elevadas condições de dignidade.
4 A Tutela dos Direitos Humanos Trabalhistas e Previdenciários: uma Análise a partir dos Princípios Internacionais Decorrentes
A tutela dos direitos trabalhistas e previdenciários também pode ser identificada a partir dos eixos jurídicos de proteção aos Direitos Humanos como um todo eixos internacional, regional e nacional.
O presente artigo concentra-se na análise do eixo internacional de proteção social, a partir da identificação dos princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário alçados à condição de Direitos Humanos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, consagra princípios fundamentais da ordem jurídica internacional, sendo considerada fonte de máxima hierarquia no Direito 37.
Tamanha sua importância, "a Declaração transformou os direitos humanos num tema global e universal no sistema internacional e traçou a vis directiva de uma política do Direito voltada para a positivação dos Direitos Humanos no âmbito do Direito Internacional Público" 38.
No plano do Direito Individual do Trabalho, ressalta o direito de todo homem, sem qualquer distinção, a igual remuneração por igual trabalho; o direito a uma remuneração justa e satisfatória; o direito a repouso e lazer, inclusive com a limitação razoável das horas de trabalho; o direito às férias remuneradas periódicas; o direito ao trabalho; à livre escolha de emprego; a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
No plano do Direito Coletivo do Trabalho, assegura ao homem o direito de organizar sindicatos e a neles ingressar para proteger seus interesses.
No âmbito previdenciário, assegura ao homem o direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
A Declaração da Filadélfia declaração relativa aos fins e objetivos da OIT , de 1944, arrola os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho.
O primeiro de seus princípios afirma que "o trabalho não é uma mercadoria".
A afirmação do valor trabalho digno nas principais economias capitalistas ocidentais desponta como um dos marcos da estruturação da democracia social no mundo contemporâneo 39. Onde o direito ao trabalho não for minimamente assegurado por meio, sobretudo, da garantia dos direitos fundamentais de indisponibilidade absoluta não haverá dignidade humana que sobreviva. É, portanto, pelo trabalho digno que o homem encontra sentido para a vida. Nesse contexto, o Direito do Trabalho é o principal instrumento de desmercantilização do labor humano na economia capitalista, favorecendo esse trabalho com regras superiores aos simples imperativos do mercado 40.
O segundo princípio da Declaração da Filadélfia é o que manifesta a liberdade de expressão e de associação como condições indispensáveis a um progresso ininterrupto.
A liberdade de expressão e de associação firma a participação de toda a sociedade no Estado Democrático de Direito, garantindo a manifestação franca do pensamento e a larga possibilidade associativa no país.
A previsão do pluralismo político, no caso brasileiro, é exemplo do reconhecimento da liberdade de expressão, assim como o princípio da livre manifestação do pensamento 41.
Quanto à liberdade de associação, preceitua o art. 8º da CF/88 o direito à livre associação profissional ou sindical, independentemente de autorização dos entes públicos 42.
O terceiro princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho dispõe que "a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral".
A pobreza extrema e a exclusão social violam a dignidade da pessoa humana. Uma das alternativas para diminuir as desigualdades sociais se dá pela efetivação e generalização do Direito do Trabalho, por ser ele "o mais generalizante e consistente instrumento assecuratório de efetiva cidadania, no plano socioeconômico, e de efetiva dignidade, no plano individual" 43.
Finalmente, o quarto princípio fundamental do Direito Internacional do Trabalho expressa que "a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade com os do governo, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum".
A luta contra a carência constitui um dos principais objetivos da OIT e deverá ser promovida por meio de participação dos representantes dos empregados, empregadores e governo estratégia do "diálogo social" ou "tripartismo".
Além de discriminar os princípios fundamentais do Direito Internacional do Trabalho, a Declaração da Filadélfia afirma que a paz, para ser duradoura, deve assentar-se sobre a justiça social.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais revela perfeita sintonia com os princípios sociais consagrados pelas inúmeras convenções e recomendações da OIT. No entanto, conforme ensina Arnaldo Süssekind, o nível de proteção dos instrumentos adotados pela OIT supera, em muitos casos, as garantias inseridas no Pacto. Além disso, muitos preceitos do Pacto, ao contrário do que ocorre com a maioria das convenções da OIT, são de caráter promocional - o que, evidentemente, não desobriga os Estados que o ratificaram de implantarem suas normas progressivamente 44.
O que se percebe é que a OIT, desde sua criação, em 1919, pelo Tratado de Versalhes, demonstra preocupação permanente em proteger o trabalhador, assegurando-lhe condições dignas de trabalho e de seguridade social.
Importante iniciativa nesse sentido foi tomada pela OIT, no seio da 86ª Conferência Internacional do Trabalho, em 1998, em que foi elaborada a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho doravante, Declaração de 1998.
Dito instrumento normativo definiu como direitos humanos básicos dos trabalhadores, os direitos à liberdade de associação e à negociação coletiva Convenção 87 da OIT, não ratificada pelo Brasil e Convenção 98 da OIT, ratificada pelo Brasil ; à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório Convenções 29 e 105 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil ; à efetiva abolição do trabalho infantil Convenções 138 e 182 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil e à eliminação da discriminação no que diz respeito ao emprego e à ocupação Convenções 100 e 111 da OIT, ambas ratificadas pelo Brasil.
Em razão da posição especial que os direitos humanos básicos dos trabalhadores ocupam, a Declaração de 1998 enfatiza que todos os estados-membros estão obrigados a respeitá-los, promovê-los e efetivá-los, pelo único motivo de se terem filiado à OIT e, portanto, independentemente de terem ratificado as Convenções da Organização que tratam do assunto 45.
Aos estados-membros é assegurada liberdade para definir a forma que os direitos serão incorporados ao seu ordenamento jurídico, sendo o processo de ratificação apenas uma das opções. Assim, é possível adaptar as diretrizes da OIT às particularidades de cada país 46.
Certamente, o respeito aos direitos humanos dos trabalhadores implicará na concretização dos principais objetivos da OIT: promover o trabalho digno e, assim, "garantir que o desenvolvimento econômico seja acompanhado de um real desenvolvimento social" 47.
5 Tratados e Convenções Internacionais sobre Direitos Humanos: Breve Análise da Integração no Ordenamento Jurídico Brasileiro
Os tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil integram o rol de suas fontes formais heterônomas.
Quando os tratados e convenções internacionais são ratificados no Brasil, ingressam na ordem jurídica interna com o status de norma infraconstitucional, com a qualificação de lei ordinária. Isso significa que se submetem aos critérios de constitucionalidade existentes, podendo ser declarados inválidos, mesmo após ratificados, se houver afronta a regra ou princípio constitucional 48.
Com a reforma do Poder Judiciário, promulgada em dezembro de 2004 EC 45 , os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos adquiriram status de emenda constitucional, mas desde que aprovados com ritos e quorum similares aos de emenda constitucional 3/5 de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos 49.
Em dezembro de 2008, o STF modificou em parte sua jurisprudência ao determinar que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos têm patamar supralegal acima das leis ordinárias e complementares. Caso sua ratificação seja feita com o quorum especial das emendas constitucionais - e apenas nessa hipótese -, alcançam status de emenda constitucional 50.
Caso haja situação de conflito entre as regras de diplomas internacionais ratificados pelo Brasil e diplomas legais internos, prevalece, conforme já ressaltado, o princípio da norma mais favorável ao trabalhador identificado por meio da teoria do conglobamento , como critério de solução do conflito normativo.
6 Considerações Finais
As propostas de desregulamentação estatal e de flexibilização trabalhista, além de romperem com a diretriz protetiva do Direito do Trabalho e, de certo modo, do próprio Direito Previdenciário , também fragilizam o sentido de dignidade humana, inerente a qualquer trabalho, base da seguridade social.
Os princípios internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário, alçados à condição de Direitos Humanos, representam o avesso às propostas de desregulamentação estatal e de flexibilização trabalhista, por centralizarem o homem em seu valor maior de ser humano. Promovem, assim, uma visão humanitária dos direitos sociais, revelando o trabalho digno e a seguridade social como direitos fundamentais universais.
Enfim, a matriz filosófica dos diversos instrumentos internacionais de proteção social identificados realça o sistema da seguridade social e o valor-trabalho a partir de uma perspectiva ética, com suporte na dignidade do ser humano.
Obviamente que além do reconhecimento da importância social dos princípios de direitos humanos dos trabalhadores é preciso também concretizá-los, viabilizando sua afirmação ética, enquanto elemento indispensável para a constituição, crescimento e realização do sujeito-trabalhador.
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NOTAS
1 - FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio - século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. p. 1369.
2 - HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2299.
3 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 171.
4 - CRETELLA Jr., José. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3.
5 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 172.
6 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 174.
7 - Idem, p. 174-175.
8 - Ibidem.
9 - Sobre a função normativa própria dos princípios, consultar: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 4. ed. Brasília: UnB, 1994; ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997; CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992; BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
10 - BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Op. cit., p. 257.
11 - FLÓREZ-VALDEZ, Joaquín Arce y. Los principios generales del Derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990. p. 53 e 56.
12 - ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Op. cit., p. 86.
13 - Idem, p. 83.
14 - Sobre o valor da dignidade e o valor da dignidade no trabalho, consultar: DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. São Paulo: LTr, 2006.
15 - BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale et alii. Coord. João Ferreira e Rev. João Ferreira e Luís Guerreiro Pinto Cascais. 5. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 2000. p. 253. v. 1.
16 - SALGADO, Joaquim Carlos. Os direitos fundamentais. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 82, p. 15-69, jan. 1996, p. 16.
17 - MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e "status". Rio de Janeiro: Zahar, 1967; BOBBIO, Norberto; MATTEUCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Op. cit.
18 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 53.
19 - VIEIRA, Listz. Cidadania e globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997. p. 22.
20 - Ibidem.
21 - Ibidem.
22 - Idem, p. 23. Sobre o tema dos direitos difusos, consultar também: VERONESE, Josiane Rose Petry. Interesses difusos e direitos das crianças e dos adolescentes. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
23 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004, p. 22.
24 - BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
25 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 183; RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1993. p. 28, 42 e 43.
26 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: LTr, 1992. p. 49-70.
27 - MARTINEZ, Wladimir Novaes. A seguridade social na Constituição Federal. Op. cit., p. 29.
28 - GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 28.
29 - SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho e previdência social: pareceres. São Paulo: LTr, s.d.. p. 285.
30 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1987. p. 325.
31 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
32 - PIOVESAN, Flávia. Direitos sociais, econômicos e culturais e direitos civis e políticos. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 21-43, 2004.
33 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 166.
34 - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Op. cit., p. 415.
35 - Sobre o tema, consultar: BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores. Op. cit.
36 - REIS, Daniela Muradas. Contributo ao Direito Internacional do Trabalho: a reserva implícita ao retrocesso sociojurídico do trabalhador nas convenções da Organização Internacional do Trabalho. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito, UFMG, Belo Horizonte, 2007. Consultar também: REIS, Daniela Muradas. O princípio da vedação do retrocesso no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2010.
37 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1996. v. II. p. 1403. Consultar, ainda: TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil 1948 - 1997 : as primeiras cinco décadas. 2. ed. Brasília: UnB, 2000. p. 23-27.
38 - LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: o desafio de ter direitos. Apud AGUIAR, Odílio Alves; PINHO, Celso de Moraes; FRANKLIN, Karen. Filosofia e direitos humanos. Fortaleza: UFC, 2006. p. 30.
39 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. São Paulo: LTr, 2005. p. 28-29.
40 - DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. Op. cit., p. 207.
41 - ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. A Organização Internacional do Trabalho e a Proteção dos Direitos Humanos Sociais do Trabalhador. Revista LTr, v. 71, p. 604-615, 2007. Consultar também: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de. O Direito do Trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2009.
42 - Essa liberdade, na Constituição brasileira, não dispensa o registro no órgão competente art. 8º, II, CF/88 e Súmula nº 677, STF.
43 - DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da destruição e os caminhos da reconstrução. Op. cit., p. 142.
44 - SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. Op. cit., p. 325.
45 - ANDRADE, Fernanda Rodrigues Guimarães. Direitos humanos dos trabalhadores: uma análise da Declaração da Organização Internacional do Trabalho OIT sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho. Projeto de pesquisa orientado pela Profa. Dra. Gabriela Neves Delgado e apresentado, pela aluna bolsista, ao Programa de Iniciação Científica da FAPEMIG. Elaborado conforme as diretrizes do NAPq da Faculdade de Direito da UFMG. 2010.
46 - Ibidem.
47 - Ibidem.
48 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 144-145.
49 - § 3º do art. 5º da CF/88, inserido pela EC 45/04.
50 - DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Op. cit., p. 144.


Informações bibliográficas:
DELGADO, Gabriela Neves. Princípios Internacionais do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário. Editora Magister -
Porto Alegre - RS. Publicado em: 18 nov. 2010. Disponível em: <http://www.editoramagister.com/doutrina_ler.php?id=868>. Acesso em: 25 nov. 2010.

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